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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

Aborto: muitas razões e nenhuma razão

André Gonçalves Fernandes

Na iminência da tramitação legislativa do projeto de reforma do Código Penal, muito se discute, principalmente sobre o aborto. Este delicado tema, além de, basicamente, envolver, de um lado, a inviolabilidade do feto fundado na ideia de pessoa e no direito à vida e, de outro, a autonomia absoluta da mulher, também desperta o poeta que há em cada um de nós. E, quando a razão vê-se acuada pela solidez dos argumentos contrários, os instintos mais primários...

No final do ano passado, quando estive num debate para o público acadêmico, um ouvinte disse ser favorável ao aborto, porque, como ele mesmo disse, “aquilo” só é uma pessoa quando existe um nome. Respondi ao interlocutor que, além dele já ter sido um dia “aquilo”, um reconhecimento do outro baseado somente na projeção de uma identidade, quando o feto deixaria de ser feto e passaria a se chamar Pedro ou João, tornaria o direito à vida uma opção e não um dever.

Junto com ele, contemplamos os benefícios de uma lei que adotasse essa espécie de “validade onomástica com efeito retroativo” para os fetos: a mãe não faria o registro civil “daquilo” até uns 18 anos e esperaria para ver. Se ele tivesse sido uma boa criança e um bom adolescente, seria presenteado com um nome. Caso contrário, poderia despachá-lo para a morte, já que, afinal, não se identificou com “aquilo”.

Talvez, por não ter tido “bons antecedentes familiares”, nosso ouvinte ficou incomodado com a resposta, deixou o lado poético de lado e ensaiou uma tentativa de exercício arbitrário das próprias razões. O exemplo real aqui serve apenas para ilustrar o acréscimo legal do inciso IV ao artigo 128 do Código Penal no projeto de reforma, o aborto por mera vontade da gestante até a 12ª semana de gestação.

É a estilização legal da máscara que se põe na face da argumentação abortista, que varia conforme a situação: retórica social (“o futuro mutilado das adolescentes grávidas”), criminal (“só se punem as mulheres pobres”), sanitária (“abortos clandestinos matam muitas gestantes”), feminista (“sou dona do meu corpo”) ou eugênica (“sofre de anencefalia, não tem viabilidade existencial”).

Os fatos que estão por trás dos três primeiros casos, sem dúvida, existem. Mas reclamam medidas corretivas próprias, a começar pelos envolvidos e não simplesmente mandando a conta do prejuízo para o lado inocente do problema, o feto ou “o aquilo”. Nos dois últimos, a argumentação, por ser mais sofisticada, demanda uma resposta mais elaborada.

O feto não é como o pâncreas, o rim ou o coração. Não é parte do corpo da mulher, porque é dotado de um código genético único e irrepetível. A mulher, não sem sacrifício e renúncias, apenas fornece o ambiente biológico adequado para o crescimento do zigoto, além dos nutrientes necessários.

O feto anencéfalo é um ser humano vivo, porque respira. Se a natureza condena esse ser, o que, para mim, é um mistério, não compete à medicina executar a sentença, mas transformar a pena, porque a primeira obrigação de um médico é com a vida. Do contrário, não seria muito diferente dos carrascos de outrora.

No fundo, toda essa retórica abortista parte de uma premissa muito clara, que está em privatizar a noção de vida humana: para mim, é Elena; para ele, é uma parte do corpo; para ela, um “aquilo” a ser validado por uma relação de desejo e, para o outro, um monte de células descartáveis. E a solução é mais clara ainda. Cientificamente, ou o feto, desde sua concepção, é vida na mais plena acepção do termo, ou não é.

Nietzsche recordava-nos de que “na história da sociedade, há um ponto de fadiga e enfraquecimento doentios em que ela até toma partido pelo que a prejudica e o faz a sério e honestamente”. A relativização da vida, no seio da reforma do Código Penal, acaba por produzir um projeto pautado num arrazoado de bandeiras do politicamente correto.

Como soa mais adequadamente na língua de Miguel de Cervantes, é o precio del desprecio. Quanto ao desfecho do episódio do “aquilo”, lamento a chance perdida: é sempre bom polemizarmos com pessoas eruditas e cordatas. Mesmo que um não consiga convencer o outro sobre o acerto de sua posição, o exercício serve para que refinemos nossas próprias opiniões. Com respeito à divergência, é o que penso.

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 02/04/2013

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