Uganda é um país
que se tornou um exemplo raro de sucesso na luta contra a Aids na África,
ao reduzir significativamente a incidência que já foi das
mais altas do continente.
"Se outros países tivessem seguido o exemplo
de Uganda, milhões de vidas teriam sido poupadas.", afirma
Rand Stoneburner, ex-epidemiologista da Organização Mundial
de Saúde (OMS).
Enquanto alguns outros países baseiam suas
políticas de combate à Aids unicamente em custosas campanhas
de distribuição de preservativos, com eficácia duvidosa,
Uganda apresenta uma fórmula de sucesso que tem despertado a atenção
de especialistas de todo o mundo.
A revista Seleções
Reader's Digest, por exemplo, em sua edição de Janeiro
de 2004, publicou a reportagem "Contra a Aids" mostrando que
enquanto a epidemia devasta o sul da África, matando milhões,
Uganda está mudando esse panorama. E que é possível,
sim, mudar a mentalidade de toda uma nação.
Seguem alguns trechos dessa reportagem, com alguns
trechos sublinados:
Julius Lukwago e Fiona Kyomugisha têm
24 anos e formam um jovem casal moderno - com uma diferença:
são e pretendem continuar virgens até o casamento.
É assim que o amor funciona na Uganda de hoje: prudentemente.
Motivo? A Aids.
O vírus HIV está devastando os países
vizinhos, no sul da África, onde se estima que 2,4 milhões
de pessoas tenham morrido no ano passado e quase 30 milhões estejam
infectados. O vírus compromete a produção de alimentos,
superlota hospitais, reduz a expectativa de vida e gera milhões
de órfãos.
Em Uganda, no entanto, o índice de mortes
e de infecção vem decrescendo. Agindo com cautela, mantendo-se
fiéis e recusando-se a lidar com a Aids como uma vergonha pessoal,
os ugandenses estão se tratando com uma poderosa e eficiente
"vacina social", segundo Rand Stoneburner, ex-epidemiologista
da Organização Mundial de Saúde (OMS).
"Ela provavelmente é mais potente
do que as vacinas biomédicas que os cientistas esperam desenvolver
no futuro", acredita Stoneburner. "Se outros países
tivessem seguido o exemplo de Uganda, milhões de vidas teriam
sido poupadas."
É interessante notar como foi possível
mudar o comportamento de grande parte da sociedade ugandense. Com os atuais
níveis assustadores de pornografia na sociedade, em geral as pessoas
tendem a achar que trata-se de um quadro irreversível.
A reviravolta é conseqüência de
mudanças de comportamento. "O trunfo da abordagem ugandense
foi não ter se concentrado apenas nos remédios ocidentais
e no uso de preservativos", diz Edward Green, pesquisador sênior
de Harvard e membro do conselho presidencial para a Aids. "Custa
muito pouco. E mostra que, com medidas firmes e inteligentes, a Aids
pode ser evitada."
Quando o presidente Yoweri Museveni subiu ao poder
à frente de um exército rebelde, em 1986, herdou um país
entorpecido por 15 anos de ditaduras, terror e guerrilha, onde mais
de meio milhão de pessoas havia morrido. Os serviços de
estradas, energia, água e saúde estavam arruinados.
Enquanto isso, todo mês, milhares morriam
de doenças relacionadas à Aids, como tuberculose e pneumonia.
Ainda criança, Fiona Kyomugisha foi ao enterro de cinco parentes
vítimas da doença. Embora soubessem que algo estava terrivelmente
errado, as pessoas tinham medo de falar.
"Os médicos me disseram que a doença
não tinha cura, mas fiquei aliviado", lembra Museveni. "A
Aids não é tão contagiosa quanto a Sars ou o Ebola.
Não se pega no ônibus ou num aperto de mão. A Aids
é uma doença de estilo de vida, disseminada principalmente
pelo sexo desprotegido. Se as pessoas soubessem disso, poderiam evitá-la.
Então batemos os tambores e demos o alarme."
O rufar dos tambores - o tradicional sinal de alarme
das aldeias - anunciava boletins informativos do rádio e da televisão
sobre a Aids várias vezes ao dia, sempre martelando a mensagem:
A Aids é transmitida por relações sexuais... Você
precisa se proteger... Não vale a pena morrer por sexo.
O programa de prevenção se resumia
a um trinômio: Abstinência, Fidelidade ou Camisinha. Museveni
tirou o problema das mãos dos profissionais de saúde e
montou uma unidade especial no seu gabinete. Agora batizada de Comissão
de Aids de Uganda, a unidade foi a primeira do tipo em todo o mundo.
Seus veículos tinham o lema "Voltinhas Zero"
pintado na lateral. Criado pelo presidente, significa "fique
com seu parceiro".
Todos os segmentos da sociedade se envolveram, de
equipes esportivas a grupos musicais e curandeiros tradicionais. Ensinavam-se
fatos sobre Aids em quase todas as salas de aula. As igrejas lançaram
campanhas para convencer os jovens a adiar a experiência sexual.
"Eu sabia de tudo aos 11 ou 12 anos",
recorda Julius Lukwago. "Aprendi a usar camisinha em seminários
de conscientização sobre a Aids na própria aldeia,
mas não parecia certo fazer sexo porque nosso medo da doença
era muito grande."
O resultado dessa franqueza foi extraordinário.
"As pessoas acordaram e pararam de se arriscar", diz
Lawrence Marum, dos Centros para Controle e Prevenção
de Doenças dos Estados Unidos, que trabalhou em Uganda durante
a década de 90. "Isso provocou mudanças radicais
num lugar fundamental: o quarto."
Estudos realizados por diversos especialistas em
saúde pública mostraram mudanças dramáticas.
Numa escola, o número de meninos com idade entre 13 e 16 anos
que faziam sexo despencou de 61% em 1994 para 5% em 2001, enquanto o
número de meninas sexualmente ativas caiu de 24% para 2%. "A
abstinência é difícil", admite Fiona Kyomugisha.
"Tive várias oportunidades de ter relações
sexuais, mas não cedi. Os riscos eram grandes demais."
Fidelidade virou norma - A "vacina social"
usada por Uganda, além de não ter contra-indicações,
produz um efeito benéfico em toda a sociedade, como por exemplo
a maior estabilidade do matrimônio. Ao passo que as campanhas de
difusão do chamado "sexo seguro" produzem o efeito contrário:
erotização da sociedade, aumento das doenças sexualmente
transmissíveis, dos casos de gravidez indesejada e dos casos de
separação entre os casais por infidelidade. Por essa razão,
o exemplo de Uganda desperta sobressaltos naqueles que lucram com o mercado
da pornografia.
Em 1995, pouco mais da metade dos adultos era fiel
a seus parceiros, segundo a Pesquisa Demográfica e de Saúde
de Uganda. Em 2000/2001, eram fiéis 97% dos homens casados
e 88% das mulheres casadas, um pouco menos entre os solteiros. "Dos
estudantes que conheço, cerca de três quartos se abstêm
ou são fiéis aos parceiros", garante Julius.
O número de homens que admitiam ter relações
sexuais casuais entre 1989 e 1995 caiu em mais de 50%, segundo o Programa
Global de Aids em Genebra. Mesmo grupos sexualmente ativos como jovens
soldados ficaram mais cautelosos.
No começo, como não eram muito acessíveis,
os preservativos não tiveram papel fundamental no programa de
prevenção ugandense, exceto entre grupos de alto risco,
como as prostitutas. "Ouvimos que há apenas uma borracha
fina entre nós e a morte de nosso continente", disse Museveni
numa conferência da OMS em 1991. "No entanto, em países
como o nosso, a mãe às vezes precisa andar 30 quilômetros
para conseguir uma aspirina e dez para encontrar água. Então
os problemas práticos de obter e usar camisinhas talvez jamais
se resolvam. Os preservativos desempenham um papel importante, mas por
si só não bastam." Com efeito, os países
africanos que ofereciam maior acesso aos preservativos, como Botsuana
e Zimbábue, têm hoje os índices mais altos de Aids.
Com o número cada vez maior de pessoas querendo
saber se estavam infectadas, um grupo de profissionais de saúde
e assistentes sociais criou um serviço de exames na sala de um
hospital, em 1990. O Centro de Informações sobre Aids,
como foi batizado, logo se tornou uma rede com mais de 80 unidades.
Nos arredores de Entebe, acompanhei William e Patience
[nomes fictícios] quando foram fazer o exame, pelo qual pagaram
dois dólares cada um. Durante a meia hora de espera pelo resultado,
eles contaram sua história a uma conselheira.
Eles haviam se conhecido e se apaixonado na igreja,
mas se abstiveram de ter relações sexuais porque ambos
tinham segredos. William, 23 anos, jardineiro, mantivera relações
com algumas mulheres anos antes. Patience,19 anos, empregada doméstica,
fora estuprada pelo patrão. Eles mal conseguiam olhar quando
o envelope pardo chegou do laboratório. A conselheira leu os
documentos. "Os exames dos dois deram negativo", disse ela.
O casal riu de alívio. "Agora podemos ser fiéis
com segurança!", alegrou-se Patience.
As pessoas infectadas são encaminhadas à
Organização de Apoio à Aids, também criada
por voluntários, que luta contra o estigma da doença e
ajuda os pacientes a viver de forma positiva. Anne Kaddumukasa - funcionária
da Organização cujo marido morreu de Aids - afirma: "Quando
as pessoas infectadas com o HIV cuidam de outras vítimas da doença,
elas vivem mais, permanecem no trabalho, cuidam da família durante
mais tempo e ainda ajudam os outros dizendo: < Por favor, aprendam
com o nosso infortúnio.>"
Turmas escolares recebem tablóides mensais
gratuitos com títulos como "Papo direto" e "Papo
jovem", que discutem a saúde sexual. Eles se vinculam a
programas de rádio transmitidos em cinco línguas. A abordagem
é franca.
Reconhecimento internacional:
"Nós enfatizamos as opções
do trinômio, mas nunca nos esquivamos às perguntas",
garante Betty. "O mais importante é estar aberto e deixar
os jovens falar. Tentamos convencê-los de que ter desejo sexual
não significa que precisam se apressar em ter relações
sexuais."
Embora aclamada pelas Nações Unidas
como o maior sucesso da África, Uganda ainda tem muitos problemas.
Um milhão de pessoas morreram, deixando um milhão de órfãos.
O índice de Aids foi reduzido em dois terços, para 5%,
mas ainda contrasta com o de 0,3% da Europa Ocidental. Mais de 250 ugandenses
são infectados todos os dias.
Entretanto, a situação é muito
pior em outros países do sul da África. Segundo números
do Programa de Aids da ONU, 20,1% das pessoas com idade entre 15 anos
e 49 anos na África do Sul, 33,7% no Zimbábue e 38,8%
em Botsuana estão infectadas.
O presidente Museveni não entende por que
o exemplo de Uganda foi ignorado por tanto tempo pelos outros países.
"Como a Aids é um problema sexual, as pessoas têm
vergonha de enfrentá-lo", diz ele. "Mas o que é
pior: ficar constrangido ou morrer?"
Um exemplo que passa a ser seguido por outros países:
Outros países, como Quênia e Zâmbia,
passaram a seguir o modelo ugandense e a mesma medicina moral está
começando a dar resultados entre as gerações mais
novas.
No começo, Uganda ganhou poucos admiradores
entre as agências humanitárias ocidentais que promoviam
a expedição de preservativos para combater a Aids. Isso,
porém, está mudando agora, quando se vê que os
programas que preconizam mudanças de comportamento, como fidelidade
e abstinência, podem de fato funcionar.
Como diz Peter Piot, diretor-executivo do
Programa de Aids da ONU: "Conquistas como a de Uganda mantêm
viva a esperança de que o mundo não está impotente
diante da epidemia."
Durante a 15ª Conferência Internacional
de Aids, realizada em julho/2004 em Bangcoc na Tailândia, o presidente
de Uganda, Yoweri Museveni, reafirmou que a abstinência sexual,
não o uso de preservativos, era a melhor maneira de impedir a disseminação
do vírus da Aids. E ele tem um exemplo concreto para provar isso.
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