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SERÃO PESSOAS??...
Teresa Gonçalves

É um tempo de contradições este nosso tempo ainda na infância do terceiro milénio. A evolução da ciência tem-nos conduzido a alturas e profundezas até há pouco inimagináveis. Conhecemos cada vez melhor as profundidades da Terra e dos Oceanos, devassamos os abismos do Espaço sideral, penetramos cada vez mais nos mistérios, até há pouco, insondáveis da mente e da Vida.

Descobrimos, orgulhosamente, como um novo Prometeu que, afinal, até isso podemos devassar, manipular, poluir e destruir. E a nossa pobre e frágil condição humana sempre sentiu a atracção tremenda do poder. Ainda que seja o poder fácil e bárbaro de destruir.

O poder imperial romano divertia-se, refastelado, com as lutas entre gladiadores e feras, berrava de gozo com a “beleza” inebriante da luta e com o espectáculo dos últimos estertores das vítimas.

Noutros tempos e noutros lugares, não era reconhecido o estatuto de Pessoa a uma quantidade de seres mais frágeis e/ou dependentes como os escravos, as mulheres, as crianças... Daí que as mulheres fossem sepultadas com o marido em alguns países orientais. Daí que o horror do infanticídio fosse permitido aos pais, em algumas culturas... Daí que...

Os mais pequenos, os mais frágeis, os mais velhos, os menos “perfeitos”, os de outra cor, os de outra cultura... serão pessoas também? Sempre foi esta a dúvida dos bárbaros de todas as épocas.

Ao longo dos séculos, a barbárie prolongou-se de muitas outras formas até aos nossos dias e subsiste um pouco por todos os lugares do mundo, nuns mais do que noutros.

Mas não vamos ser pessimistas: a escravatura e a pena de morte foram abolidas em muitos países do mundo, embora subsistam noutros; os movimentos humanitários em defesa dos direitos humanos dos mais frágeis, das crianças, dos idosos, dos deficientes... crescem um pouco por toda a parte.

A necessidade de preservação da Natureza, da floresta, dos oceanos, dos rios, dos solos, do ar, dos animais em extinção... é uma consciência que se vai fazendo sentir de forma cada vez mais aguda no nosso mundo. E isso é muito bom!

Sinal de que, a pouco e pouco, a Humanidade se vai civilizando. A nossa sensibilidade humana vai sendo purificada, clarificada, aperfeiçoada... vamos ficando cada vez mais distantes do velhote de Neandarthal, vamo-nos tornando cada vez mais humanos.

Mas, no meio disto, aconteceram, bem perto de nós, os fornos crematórios do Terceiro Reich, todos os dias ouvimos falar de massacres nos noticiários, ficamos horrorizados com um documentário que nos mostra as salas da morte para crianças, na China, repugna-nos a frieza terrível dos traficantes de droga e... que havemos de pensar da racionalidade tranquila com que se fala de suprimir um minúsculo ser humano, como se se tratasse de um objecto indesejável?

É a mesma dúvida estúpida e bárbara que os nossos grandes marinheiros tiveram ao chegar a outras paragens – os índios são vermelhos... serão Pessoas? E os negros... serão pessoas ou estarão mais para o lado dos macacos? – perguntava-se o iluminadíssimo Voltaire. Os escravos serão Pessoas? – perguntavam os iluminados dos séculos XVIII e XIX. E as mulheres serão Pessoas? – perguntam, ainda hoje, alguns fundamentalistas islâmicos.
 

Talvez alguns dos varões das lojas maçonicas se façam ainda perguntas semelhantes. Os que não são “irmãos maçonicos” não apresentam exatamente o mesmo estatuto de valor e humanidade.

Não esqueçamos que estes nasceram do positivismo “iluminado” que pretendeu contrapor a “luz da ciência e da razão” ao “obscurantismo” cristão – e, segundo estes grandes mestres da ciência, o cérebro da mulher pesava umas tantas gramas a menos que o do homem, logo… Um deficiente, por exemplo, não pode ser admitido nas lojas maçonicas, pois não pode tornar-se um “varão perfeito”.

Até o grande e brilhantíssimo Platão agradecia aos deuses ter nascido livre e não escravo, ter nascido homem e não mulher! Este grande filósofo grego defendia também a ideia de que era necessário deixar morrer as crianças de famílias mais pobres. Outro grande mestre da fulgurante civilização helénica, Aristóteles, dizia que a criação dos pequeninos deficientes deveria ser proibida por lei.

E, em pleno século XX, o Hitler dos bigodes quase convenceu meia nação de que os Judeus não eram bem Pessoas.

Nos nossos dias, naturalmente, não há falta de mediocridade balofa e pimba, por muito que tenhamos evoluído.

E por isso subsistem as perguntas estúpidas:

- É tão velho, está tão doente e, sobretudo, é um encargo tão grande para a sociedade... será que merece ainda viver? – perguntam os pragmatíssimos defensores da eutanásia.

Perguntava-se noutras épocas e lugares: tem só meio metro, não sabe falar ainda, nem rir, nem andar... será uma Pessoa?

Com a mesma legitimidade lógica se pergunta agora: é tão pequeno... tem apenas três centímetros... será pessoa?

Não é um ódio voraz nem uma desmedida raiva a clamar por justiça que motiva estas dúvidas e estes actos. Nada disso.

Tranqüilamente e discretamente, com argumentos muito racionais e iluminados, em reuniões e assembleias não só tribais, não só em seitas terroristas, não só nos clãs da Máfia, mas até no Grande Estado Democrático, discute-se o presente e o futuro dos povos.

E, se for necessário... – a bem do povo, a bem da “pureza” da raça, a bem da sobrevivência cómoda dos mais fortes e dos maiores, a bem da espécie, a bem do enriquecimento de uns tantos clãs de mafiosos – se for necessário suprimir uns tantos, de preferência aqueles que incomodam ou dão trabalho à sociedade, ou não dão lucro, ou são frágeis demais para se defenderem... então que se suprimam ou se lhes interrompa voluntariamente o fluxo vital, mas da forma mais “limpa” possível, sem deixar visíveis quaisquer vestígios inquietantes.

Há dois mil anos surgiu uma pequena ilha de um humanismo intocável, que ensinou a dizer “Pai Nosso”, num respeito radical pela igual dignidade de todos os seres humanos.

Mas... ainda conservamos os resquícios de mentalidade dos nossos antepassados peludos. A evolução está muito longe de ter chegado ao fim. Nem dois milénios de cristianização foram suficientes para nos humanizarmos.



 


 

Teresa Gonçalves, de Portugal

Publicado no Portal da Família em 19/03/2007

 

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