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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

REMÉDIO PARA TUDO?

André Gonçalves Fernandes

As estatísticas de consumo de remédios no Brasil causam preocupação. O país ocupa a quarta posição mundial, atrás dos EUA, França e Alemanha. A indústria farmacêutica comemora os números das vendas e, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), bastariam permanecer abertas 25 mil das 48 mil drogarias existentes. O que está por trás desses números?

Sabe-se que o aumento do poder aquisitivo da população contribui para o incremento no consumo de medicamentos, sobretudo na camada de baixa renda. Também, creio que o leque de opção de remédios cresceu bastante, principalmente no segmento de vitaminas e biotônicos. Por fim, não necessariamente nessa ordem, o fator cultural: o brasileiro tem um pendor invencível para a automedicação.

A OMS conceitua saúde não apenas como a ausência de doenças, mas também como “um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social”. A meu ver, a segunda parte da definição, somada a toda cultura hedonista que se vê em volta, gera um caldo de deturpação do próprio conceito de saúde e, como conseqüência, desemboca nos dados acima apontados.

Penso que o prazer é um artefato psicológico; não é, em geral, a meta das nossas aspirações, mas sim a conseqüência de sua realização. A meta de um ato de vontade não necessariamente está voltada para o prazer, pode trazê-lo às costas. A teoria do princípio do prazer passa ao largo do caráter essencialmente intencional de uma atividade psíquica. Os objetos do querer humano são, entre si, diversos, ao passo que o prazer será sempre o mesmo, tanto na hipótese de um comportamento lícito ou ilícito.

Sob tal ângulo, seria completamente indiferente que um homem matasse ou se refrescasse com um copo de água gelado. Como se deduz, o imperativo de tal princípio acarretaria o nivelamento de todas as finalidades humanas. Bem colocadas as coisas, muito pouco na vida depende do prazer ou do desprazer para tomar a forma de realidade.

Alguém que vá ao teatro assistir a peça “Otelo”, certamente o faz em razão do conteúdo que lhe oferece a representação, apesar dos sentimentos de desprazer provocados em sua alma pelo triste desenrolar da trama. Mas também há os que pretendem assistir “O Barbeiro de Sevilha” pelo mesmo motivo, sem prejuízo das boas risadas que a obra proporciona.

Assim visto, é razoável supor que o princípio do prazer resolveu esticar seus domínios até o conceito de saúde, contudo, sob o eufemismo de “bem-estar”. Logo, a busca indiscriminada aos remédios na sociedade moderna é explicada pela definição adotada pela OMS, cujo enunciado reflete, erroneamente, a idéia de que saúde é sinônimo de felicidade e que, portanto, deve ser procurada na medicina também.

O filósofo francês André Comte-Sponville, questionado a respeito, disse: “Quem não vê que a felicidade, longe de seu um estado de bem-estar, é, antes, uma certa maneira de enfrentar com alegria esse mal-estar que quase sempre – por difícil e mortal – é a nossa vida? Entre o normal e o patológico a fronteira é relativa, flutuante e incerta. Tudo é decidido no encontro singular entre paciente e médico. Porém, não peçamos que a medicina nos cure da vida nem que nos dispense da morte.” (in Interprensa; nº4/97).

Não é à toa que a depressão é a doença do homem moderno e os depressivos estão entre os remédios mais receitados e os mais vendidos, pois não é difícil consegui-lo em uma farmácia sem a apresentação de receita.

Combater a angústia e a tristeza foi, por séculos, a função da religião. Deus foi um antidepressivo verdadeiramente eficaz ao mesmo tempo em que foi a base que estruturou a civilização ocidental. Será que só temos a saúde como fim último, substituímos a religião pela medicina e a civilização pela Previdência Social? A questão merece uma refletida resposta.



sorriso forçado

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 20/03/2011

 

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