Portal da Família
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Por uma verdadeira cultura da tolerância |
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Alfonso Alguiló * A tolerância, entendida como respeito
e consideração pela diferença, como uma disposição
para admitir nos outros uma maneira de ser e de proceder diferente
da nossa, ou como uma atitude de aceitação
do legítimo pluralismo, é, em todos os aspectos,
um valor de enorme importância.
Por isso, nem sequer o anarquismo mais radical considera
a tolerância como algo ilimitado; bastará imaginar uma coletividade
humana em que tudo devesse ser tolerado e logo se pensa num caos completo
e absoluto.
A verdadeira tolerância - como assinalou Noberto
Bobbio - não se fundamenta no cepticismo, mas numa firmeza de
princípios, que se opõe à exclusão indevida
do diferente.
A questão é - como aponta Rafael Navarro-Valls - acertar com uma noção de tolerância que não seja simplesmente fruto do cansaço ou da indiferença e que consiga equilibrar os direitos da verdade com os da consciência individual. Não se limitar a afirmações óbvias Convém não reduzir a noção
de tolerância a um genérico espírito de abertura
e de respeito pela diversidade, embora tenhamos acabado de referir-nos
à tolerância também nesse sentido. E também não deveria falar-se em sentido
restrito de tolerância como respeito à legítima diversidade,
posto que a legítima diversidade deve ser respeitada e não
simplesmente tolerada, ainda que subjetivamente nos possa custar
muito aceitá-la. Haveria muitos exemplos: ser alto ou baixo, louro
ou moreno, pertencer a uma ou outra raça ou classe social, ser
adepto (apaixonado se se quiser, mas pacífico) desta ou daquela
equipe de futebol, etc., não parecem, em princípio, diversidades
que devam ser toleradas, mas simplesmente respeitadas. Deve tolerar-se a escravatura? E se há pessoas que apelam à sua liberdade para ter escravos e inclusive também pessoas dispostas a aceitar ser escravos? Deve tolerar-se a tortura? Que deve dizer-se a quem alegue a sua - suposta - eficácia relativamente à polícia? E a quem sustente que nas suas convicções pessoais se trata de um método perfeitamente legítimo na sua guerra sem quartel contra a delinqüência? Devem as leis tolerar a poligamia? E se há pessoas - marido e mulheres - que apelam à sua liberdade para que se lhes permita formar esse gênero de união? Que se pode argumentar , por exemplo, a quem considere a proibição da poligamia como um atentado contra as profundas raízes culturais e religiosas de um povo? Deve permitir-se - como sucede em alguns lugares - que os pais pratiquem determinadas mutilações sexuais a alguns dos seus filhos, seguindo antigos ritos ancestrais? Que razões se podem dar para o proibir, se argumentam que se trata de um costume milenar, aceito pacificamente por toda a tribo? E se uns pais se negam a que o seu filho, menor de idade, receba uma transfusão de sangue e morra por isso? Como é conciliável a liberdade religiosa com o fato de que um juiz salve a vida do menino autorizando a dita transfusão, contra as crenças dos pais? Deve tolerar-se a produção e tráfico de drogas? Por que não parece justo, neste caso, respeitar a liberdade dessas pessoas para cultivar o que queiram e depois vendê-lo, aceitando as regras do mercado livre? E com o tráfico de armas? E com os produtos radioativos? São exemplos muito diversos, que expressam um pouco da complexidade do problema da tolerância e nos previnem contra uma interpretação simplista das coisas. O Dicionário da Academia Real aponta duas acepções da palavra tolerância que englobam talvez o que acabamos de dizer: uma é o
e a outra - que reflete talvez o seu sentido mais específico - assinala que tolerar é
ou seja, não impedir - podendo fazê-lo - que outro ou outros realizem determinado mal. Em ambos os casos, o quid da questão está em determinar o limite do não tolerável: a legítima diversidade deve sempre tolerar-se, mas a ilegítima pode tolerar-se ou não, segundo os casos. Proibido proibir? Em nome de quem? - Há um problema nisso que dizes: o conceito de legitimidade e, inclusivamente, os conceitos de bem e mal são muito relativos para muita gente. Assim é. Por essa razão, para aprofundar a noção de tolerância é preciso analisar previamente o fenômeno do relativismo. Por exemplo, na Alemanha proibiram-se recentemente diversos atos públicos de grupos neonazistas, o que supõe limitar o direito de manifestação. Na França, onde também parece haver liberdade de expressão, o governo encerrou vários periódicos muçulmanos ligados ao FIS argelino, pelo seu "tom violentamente antiocidental e antifrancês", segundo a explicação oficial. A pergunta é se se podem justificar medidas como estas ao mesmo
tempo em que se admite o principal postulado que os relativistas sempre
repetiram: ninguém tem o direito de impor aos outros o seu próprio
conceito de moral. Desde logo, o relativismo deixa momentaneamente de ser relativo para impor-nos a todos o seu postulado indiscutível (que ninguém pode impor nada a ninguém). - E qual é a sua relação com a tolerância? O principal problema do relativismo surge quando se fala em pôr limites à tolerância. Já vimos que parece inimaginável uma sociedade em que se permitisse tudo, uma vez que há coisas que não se podem tolerar. Se analisarmos por que não toleramos alguma coisa, depressa descobrimos que a causa está em verdades e valores que consideramos inegociáveis. Por exemplo, não toleramos o roubo para proteger a propriedade, necessária para a subsistência livre das pessoas; ou não toleramos o assassinato para proteger o direito à vida de todo o homem. Deve salientar-se que, em ambos os casos, estamos impondo aos delinqüentes algo com que podem não estar de acordo. E a todos, nos parece óbvio que se o ladrão não crê no direito de propriedade, ou o assassino não crê no direito à vida, ou ambos consideram que têm razões pessoais para roubar ou matar, nem por isso as suas ações deixarão de ser reprováveis e castigadas numa sociedade de ser reprováveis e castigadas numa sociedade em que impere a justiça. Se aceitássemos o relativismo, cada pessoa teria direito à sua verdade e ao seu critério para definir o bom e o mau, e bem poderia pensar-se que qualquer imposição da lei (que muitas vezes é manifestação de um sentido moral) é uma clara prova de intolerância (intolerância que não pode tolerar-se: atenção ao círculo vicioso). Se cada um tem a sua verdade sobre o que é a justiça e ninguém tem direito a impor a sua a outros, em nome de que verdade pode alguém impedir ou perseguir o roubo, a violação ou o assassinato? O relativismo acaba num círculo vicioso, porque sem uma referência a uma verdade universal, que nos obrigue a todos, em nome de que autoridade se pode considerar que uma ação é má e impor a outros esse conceito do que é mau?, como defender racionalmente que se deve atuar assim, que devem pôr-se esses limites à tolerância? Ninguém tem o direito de impor-me os seus valores Conta Peter Kreeft que um dia, numa das suas aulas de ética, um aluno lhe disse que a moral era algo relativo e que, como professor, não tinha o direito de impor-lhe os seus valores. Bem - respondeu, para iniciar um debate sobre aquela questão -, vou aplicar à aula os teus valores, não os meus: como dizes que não há absolutos e que os valores morais são subjetivos e relativos, e como acontece que o meu conjunto particular de idéias pessoais inclui algumas particularidades muito especiais, agora vou aplicar esta: todas as alunas ficam suspensas. Todos ficaram surpreendidos e protestaram dizendo que aquilo não era justo. Kreeft, continuando com aquela hipótese, perguntou-lhes: Que significa para ti ser justo? Porque se a justiça é só o meu valor ou o teu valor, então não há nenhuma autoridade comum a ti e a mim. Eu não tenho o direito de impor-te o meu sentido da justiça, nem tu tão pouco o teu a mim. Somente se houver um valor universal chamado justiça, que prevaleça sobre nós, poderás recorrer a ele para julgar injusto que eu suspenda todas as alunas. Mas se não existirem valores absolutos e objetivos fora de nós, só poderias dizer que os teus valores subjetivos são diferentes dos meus e nada mais. No entanto, não dizes que não gostas do que eu faço, mas que é injusto. Ou seja, que, quando desces à prática, crês nos valores absolutos. O relativismo afirma os direitos mas, porque não tem nenhuma referência a uma verdade objetiva, surge imediatamente a confusão global do que está bem e do que está mal. Com o relativismo, a justiça fica na sociedade à mercê dos que tiverem o poder de criar opinião e impô-la aos outros. * Alfonso Aguiló Pastrana, autor do livro
A Tolerância, é Vice-presidente do Instituto Europeo de Estudios
de la Educacíon e Secretário do Foro Interdisciplinar para
la Promoción de la Tolerancia. Fonte: Extraído do livro A Tolerância, Editora Rei dos Livros |
Promover a tolerância não é tolerar tudo, porque é evidente que não se pode permitir tudo |
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