- "O bebê está enjoado, irritado, inquieto;
vou ligar a televisão, que é o melhor calmante para ele...
O colorido dos comerciais, o movimento, as músicas e o barulho
o deixam quietinho..."
- "Joãozinho só come diante da televisão ligada.
A princípio, isso me incomodava, mas agora acho ótimo porque,
enquanto está distraído, vou colocando as colheradas em
sua boquinha e ele nem percebe o que está comendo; dou-lhe de tudo
o que faz bem..."
- "Não temos problemas lá em casa com as crianças;
quando estão impossíveis, colocamos uma fita atrás
da outra no vídeo e logo é aquele sossego..."
- "Durmo muito bem - é só ligar a televisão,
porque sem aquele barulhinho não consigo pegar no sono..."
Ao visitar alguns amigos nesta semana, foram surgindo estes comentários.
Alguém lembrava como estão ficando as nossas casas, nestes
tempos eletro-eletrônicos: além dos televisores em cada cômodo
da casa, e mais computador(es) com os seu(s) vídeo(s) e Internet,
há games, rádio(s) com seus toca-fitas e CD(s), fax
e impressora, secretária eletrônica, DVD, celulares, diskman,
etc., etc.
Por favor, não me considerem avessa ao progresso - muito pelo contrário!
Todos nos beneficiamos - e quanto! - com essas descobertas: basta pensar
em todas as máquinas tão úteis e já imprescindíveis
numa cozinha: forno micro-ondas, secadoras e lavadoras, geladeiras e freezers,
etc. E, como profissional médica, não posso deixar de louvar
todos os benefícios decorrentes do bom uso dos computadores e da
Internet no diagnóstico mais rápido e preciso de tantas
enfermidades, sem mencionar o próprio tratamento, que hoje se torna
possível à longa distância. Quem desconhece que profissionais
da mais alta competência podem ser consultados através da
mídia eletrônica e, apesar de estarem fisicamente ausentes,
salvar vidas orientando colegas em áreas de difícil acesso
ou quando a remoção de pacientes de risco é delicada?
E as aulas, os cursos de atualização nas mais diferentes
especialidades, graças aos CD-roms, data-shows, etc.?...
O que desejo enfatizar aqui, para nos servir de reflexão, é
que todos corremos o mesmo risco: tornarmo-nos dependentes desses recursos
extraordinários, não sabendo como viver se algum deles vier
a nos faltar...
Todos os aparelhos eletro-eletrônicos têm em comum com a televisão
o fato de merecerem um sinal amarelo: é importante avaliar permanentemente
até que ponto todos eles, ou alguns deles, são realmente
necessários, úteis ou até imprescindíveis
para a nossa família e a nossa realidade, ou se estamos prestes
a não saber o que fazer sem pelo menos alguns deles. Pois corremos
o risco de montar em nossas casas verdadeiras "ilhas de aparelhos"
que levam ao isolamento dentro mesmo do próprio lar, como assinala
a psicóloga Ana Maria Wendel Dupre Mattar, especializada em terapia
familiar em São Paulo.
Será que toda esta fabulosa tecnologia serve para nos unir mais
uns aos outros na família -porque nos sobra mais tempo enquanto
as máquinas fazem algum trabalho para nós - ou nos desagrega
e até desune, quando cada qual chega e vai para o seu canto, isolando-se
dos demais, cortando ou diminuindo a comunicação? Cada qual
pense como deseja viver melhor, e se há vantagem em ter mais bens
materiais, mesmo em detrimento da qualidade de vida...
A recente crise energética veio confirmar até que ponto
o desprendimento pode ser um precioso aliado na descoberta de outros valores.
Com o racionamento de luz, em muitos lares, pais e filhos redescobriram
motivos agradáveis de convívio e união, ao folhearem
juntos as fotos de família, contar histórias à luz
de lampiões, lanternas e/ou luzes de emergência, conversar
e trocar experiências gratificantes... Isto, sem contar quantas
visitas e encontros entre familiares e amigos para os quais "não
tínhamos tempo".
Que pensar dos videogames e jogos para computador ? Segundo a pedagogia
Silvia de Amaral de Mello Pinto, "são excelentes para o desenvolvimento
cognitivo, pois desenvolvem a percepção, a memória
visual e auditiva, a rapidez e o raciocínio, a capacidade de solucionar
problemas e até a socialização", quando jogados
em conjunto. Além disso, ensinam a ganhar e perder.
Mas o seu uso constante, esse sim pode vir a ser extremamente prejudicial.
Entre os sinais negativos, Silvia destaca "a agressividade, a instabilidade
emocional, as notas baixas e o isolamento". Em casos extremos, que
na verdade são muitos raros, a criança poderia até
perder a capacidade de distinguir entre fantasia e realidade. A solução
está em estabelecer um tempo limitado de uso, ajudá-la a
interromper quando está na hora, e também conversar freqüentemente
com os filhos sobre o que vêm jogando.
E os computadores ? Comenta uma psicóloga: "A criança
tem de ter chance de brincar, pois é através da brincadeira
que ela <<trabalha>>, no sentido de fazer algo pelo seu desenvolvimento.
Nas classes mais privilegiadas, falta tempo à criança para
si mesma, pois tem tantas atividades extraclasse que não lhe sobra
tempo para brincar. Tanta atividade, e agora o computador. Pode-se usá-lo
como forma de alienar a criança, de modo que não perturbe
ninguém, mas isso não vai promover o desenvolvimento nem
da inteligência nem da criatividade. Até certo ponto, o computador
é neutro - depende de como é utilizado".
Com relação à Internet, os comentários são
semelhantes, mas as opiniões divergem. O psiquiatra inglês
Mark Grifiths, da Universidade Notthingham Trent, afirma que usar a Internet
é um hábito tão perigoso quanto o consumo de drogas
ou álcool, pois na sua pesquisa encontrou crianças que chegavam
a passar até catorze horas por dia conectada à rede! Isto,
para não mencionar a pornografia excessivamente acessível
que a Rede difunde, e que atrai não apenas adolescentes, mas até
senhores bem barbados e... bem ridículos! Será que são
tão imaturos e inseguros, que precisam dessa espécie de
estímulos para ter assegurada uma sexualidade normal?
O psiquiatra brasileiro Alfredo Castro Neto, ex-presidente da Associação
Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil do Rio de Janeiro, já
acha que a Informática pode ser útil para os alunos desinteressados
dos estudos, pois ajuda a concentrar a atenção; mas adverte
que considera importante que os pais ajudem os filhos a dividir o tempo
entre o computador, a escola, os esportes e brincadeiras, os amigos, passeios,
etc., entrando no mundo da tecnologia com equilíbrio - o que pensa
ser válido também para os adultos...
Retirado do livro
"Família & Televisão", de Mannoun Chimelli,
Editora Quadrante, São Paulo, 2002
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Será
que toda esta fabulosa tecnologia serve para nos unir mais uns aos outros
na família -porque nos sobra mais tempo enquanto as máquinas
fazem algum trabalho para nós - ou nos desagrega e até desune,
quando cada qual chega e vai para o seu canto, isolando-se dos demais,
cortando ou diminuindo a comunicação?
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