Na travessia de uma rua ou avenida de cidade grande, é
fundamental estar bem atentos à sinalização. O sinal
vermelho alerta-nos a fazer uma parada e aguardar; enquanto esperamos,
acompanhem-me, por favor, numa breve excursão pelos caminhos da
literatura clássica.
"Nos momentos em que estava ocioso, que eram os que mais tinha durante
o ano - lemos no primeiro capítulo do livro Dom Quixote de la Mancha
de Cervantes -, dava-se à leitura de livros de cavalaria com tanto
afinco e gosto que esqueceu quase totalmente a prática daquilo
que era mais importante [...] e vendeu muitos hectares de solo fértil
para comprar livros de cavalaria para ler e levar para casa quantos pôde
[...]. Passava as noites lendo de claro em claro e os dias de turvo em
turvo; e assim, de pouco dormir e do muito ler secou-se-lhe o cérebro,
de maneira que veio a perder o juízo".
Não serão os programas de televisão, os vídeos,
os computadores, a Internet, etc., os atuais livros de cavalaria? E esse
"D. Quixote" de começos do século XXI, o insaciável
espectador de televisão ou navegante da Internet, não estará
igualmente em perigo de ver "secar-se-lhe o cérebro",
isto é, não terá também dificuldades sem conta
para desvendar, entender e interpretar o sentido da avalanche de mensagens
que a tela despeja nos seus sentidos e na sua imaginação?
É o que pensa um autor moderno, que "atualiza" assim
esse texto do romance espanhol: "Absorveu-se tanto em ver televisão
que passava todas as noites vendo-a sem dormir, e os dias de agitação
em agitação; e assim, de tanto ver televisão e de
tão pouco dormir secou-se-lhe o cérebro, de maneira que
veio a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo o que via,
tanto de encantamento quanto de contendas, batalhas, feridas, galanteios,
amores, tormentos e disparates impossíveis: e instalou-se-lhe de
tal modo na imaginação que era verdade toda a máquina
daquelas afamadas e sonhadas invenções que via, que para
ele não havia outra história mais verdadeira no mundo"...
Realmente, a televisão parece ter força suficiente para
produzir uma grande transformação na personalidade do espectador...!
"Perder o juízo" equivale aqui a perder a capacidade
de diferenciar:
- o que é real do que é imaginário;
- o que é bom do que é mau;
- o que é certo do que é errado;
- o que é normal daquilo que se apresenta como mais freqüente;
- o que é verdadeiro, valioso, permanente, do que é opinável,
mutável.
No D. Quixote, vêm em auxílio do fidalgo louco o pároco
da aldeia e o barbeiro que, para curá-lo simplesmente lançam
pela janela todos os livros que lhe tinham "sorvido o juízo"
! Teremos nós também algo dessa coragem e fortaleza, como
as tiveram por exemplo os pais citados na seguinte crônica ? :
Certo casal observou que os filhos, depois de assistirem aos Power Rangers,
partiam para brigas violentas. Tendo feito inúmeras tentativas
infrutíferas para apaziguá-los, decidiram desligar sumariamente
o aparelho, levando-o para o porão da casa. Súplicas, pedidos
de desculpas, choro, pedidos para ver algum programa na TV. Por favor!
Por favor!
Também os pais confessaram que, na primeira semana, se sentiram
"abandonados" pela Mãe TV. Depois, a surpresa (!):
"Descobrimos o desejo de ler um livro, de conversar em família,
de visitar os vizinhos; redescobrimos o quintal e até o prazer
de soltar pipas. As crianças desenham, jogam com os seus brinquedos,
criam peças teatrais. Qual é o ponto em que o ato de ver
televisão ultrapassa a fronteira entre o meio informativo e o vício?
- Desligue-a por uma semana e veja o que ocorre...[...] Quando perceber
que a <<máquina de fazer loucos>> não está
mais pensando por você, vai descobrir-se pensando por si mesmo..."
E lançam a sugestão de gravar os programas mais interessantes
para serem vistos, por exemplo, numa semana de chuvas, ou por ocasião
de uma parada forçada em casa ou outras circunstâncias desse
tipo, e "aproveitar muito bem as cinqüenta e duas semanas do
ano".
Por quê o alerta para o sinal vermelho no início deste capítulo?
O objetivo é apontar, de forma saudável e construtiva, os
riscos graves ligados ao mau uso da televisão, com base em estudos
e inúmeras pesquisas realizadas no mundo inteiro, por especialistas
preocupados com a formação e a saúde física
e mental das pessoas.
Se enfatizo tanto a criança e a juventude ao abordar a televisão
na sua relação com a família, faço-o por pelo
menos duas razões principais.
A primeira, porque a criança e o jovem são seres em desenvolvimento,
em plena formação física e mental, e por esta razão
mais vulneráveis, sensíveis, impressionáveis; além
do mais porque o futuro da nação está nas suas mãos,
nas suas inteligências e vontades - bem formadas ou deformadas,
fracas, frágeis, amolecidas (permitam-me que me expresse assim).
A segunda razão reside na minha área profissional, pois
desde 1981 a minha experiência de trabalho médico e educacional
está diretamente ligada à adolescência e à
orientação familiar. A experiência acumulada mesmo
antes de 1981, no exercício da pediatria e da saúde pública,
provoca um desejo incontido de dividir conhecimentos adquiridos, exemplos,
otimismo e esperança na capacidade criativa e renovadora do ser
humano, sempre capaz de buscar e encontrar oportunidade de esclarecer
a sua inteligência e educar a sua vontade para decidir e escolher
o melhor.
Gostaria de fazer-me eco, repetindo alto e bom som - se pudesse, com alcance
nacional e universal -, daquilo que o Santo Padre João Paulo II
disse na sua vinda ao Rio de Janeiro para o Segundo Encontro Mundial com
as Famílias: "O futuro da humanidade passa pela família!"
Tudo aquilo que possamos fazer em benefício de uma família
mais saudável, mais humana, mais unida, vale a pena!
Retirado do livro
"Família
& Televisão", de Mannoun Chimelli, Editora Quadrante,
São Paulo, 2002
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O objetivo
é apontar, de forma saudável e construtiva, os riscos graves
ligados ao mau uso da televisão, com base em estudos e inúmeras
pesquisas realizadas no mundo inteiro, por especialistas preocupados com
a formação e a saúde física e mental das pessoas.
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