Paulo Geraldo
Tenho como certo que constituímos um mistério
completo para os nossos filhos. Se fossem capazes de exprimir em palavras
a perplexidade que os assalta tantas e tantas vezes, haviam de nos dizer
coisas engraçadas... se não gostassem tanto de nós,
talvez nos dissessem palavras que haviam de nos fazer corar. Ou talvez
nos mandassem dar uma volta.
Talvez nos mandassem... crescer. É que não encontram uma
lógica na forma como os tratamos. Ficam baralhados quando, depois
de os termos conduzido a um certo estilo de vida, exigimos deles um comportamento
exactamente oposto a esse estilo de vida.
E o pior de tudo é que têm razão. Exatamente toda
a razão. A lucidez de que dispõem será infantil ou
adolescente, mas ainda é lúcida. E nós já
não somos muito lúcidos. Vejamos um exemplo de coisas que
fazemos.
O menino lá em casa não faz a sua cama de manhã.
Não prepara ele próprio a roupa para vestir no dia seguinte.
Não arruma o seu quarto. Não prepara o seu lanche. A mãe
tem um gosto todo maternal em realizar por ele essas tarefas.
Há anos que isto se passa assim, o que produz um estilo de vida.
E, depois, o pai vai levar o menino à escola, mesmo que, indo a
pé, demorasse apenas dez ou quinze minutos. É que a chuva,
e os atrasos, e o peso da mochila, e o perigo de atravessar a estrada...
E, se for na grande cidade, os assaltos... Já uma vez roubaram
um relógio do primo dele.
Há anos que isto se passa assim, o que produz um estilo de vida.
E, depois, o menino, além de não tratar das suas coisas,
também não é envolvido nas tarefas comuns da casa.
Porque, se puser a mesa, de certeza que quebra pelo menos um copo. Porque
não é de grande ajuda se for preciso pregar um quadro na
parede. Porque se sujaria se ajudasse na pintura da sala; e seria preciso,
além do mais, andar a tomar conta dele. Porque está muito
frio para ser ele a colocar o saco do lixo lá fora...
Há anos que isto se passa assim, o que produz um estilo de vida.
Hoje em dia, não mexe um dedo nem sequer para colocar uma cadeira
no lugar. Consome as coisas que aparecem feitas, e é capaz de resmungar
se não lhe lavaram bem uns tênis, ou se o jantar se atrasou.
Entretanto, chega uma altura em que os pais ficam alarmados. Assustamo-nos
quando as coisas chegam a um certo ponto. Quando nos parece que ele está
a ficar muito infantil, pouco maduro para a idade. Ficamos em pânico
quando o menino teve uma quebra grande no rendimento escolar. Insistimos
então com ele para que estude, para que seja responsável
na sua vida escolar...
Mas sucede que a responsabilidade não nasce senão depois
de se ter cultivado cuidadosamente, demoradamente, a semente da responsabilidade.
Passamos anos a fomentar no menino um estilo de vida irresponsável,
e agora, de repente, exigimos-lhe que seja responsável? Passamos
anos a paparicá-lo, e agora queremos que seja maduro? Para ele
ser maduro, teria sido necessário que tivesse vivido: que tivesse
passado experiências diversas, que tivesse enfrentado obstáculos,
que tivesse feito coisas sozinho, que tivesse errado e emendado depois
os erros, que se tivesse aperfeiçoado à custa de esforço
pessoal. E nós temos feito tudo para lhe evitar esses obstáculos,
essas experiências e esse esforço.
É claro que, quando chega a altura em que precisa mesmo de estudar,
porque as matérias se tornaram mais difíceis, não
é capaz de o fazer. Pois é natural que - não tendo
sido habituado ao esforço de fazer a cama, de ir a pé para
a escola, de pôr a mesa... - não seja capaz do esforço
de estudar, que é maior do que os outros.
É escusado levar o menino ao psicólogo. É escusado
pensarmos que o problema está em que não sabe estudar, em
que desconhece as técnicas de estudo. O problema dele são...
os pais. Exatamente.
Seremos capazes de mudar?
Paulo Geraldo - recebido do
site Aldeia - http://aldeia.no.sapo.pt
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Chega um tempo em que os pais ficam alarmados. Quando parece que o filho
está ainda muito infantil, pouco maduro para a idade. Ficamos em
pânico quando o menino teve uma quebra grande no rendimento escolar.
Insistimos então com ele para que estude, para que seja responsável
na sua vida escolar...
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