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Crianças e risco no carro

Lucia Souza

Especialistas garantem: sem a cadeirinha, a segurança de seu filho está seriamente ameaçada.

O advogado Renato Manero, 29 anos, voltava da cidade serrana de Teresópolis com o filho Fábio, 3 anos, no dia 10 de setembro de 2000, dirigindo seu Palio preto pela Avenida Brasil. Quando já estava próximo do Rio de janeiro, um Tempra cruzou-lhe a frente. Renato procurou desviar, mas rodou na pista e seu carro chocou-se contra um caminhão. Fábio, que não estava na cadeirinha, foi lançado para fora do automóvel e morreu na hora, em conseqüência de um traumatismo craniano.

O mestre-de-obras Gilmar Stecanella, 34 anos, deixou Curitiba na madrugada do dia 23 de junho de 2001 e seguiu em direção a Santa Catarina. No carro, uma Ipanema, levava a mulher, Cidiane, 27 anos, e os dois filhos: Luiz Fernando, então com 8 anos, preso pelo cinto de segurança, e João Gabriel, 2 anos, devidamente acomodado em sua cadeirinha. Uma forte neblina fez com que Gilmar colidisse com um caminhão que vinha na direção contrária. O casal sofreu apenas escoriações. Nos dramáticos segundos após o acidente, ouvia-se o choro de João, mas Luiz Fernando estava inconsciente.

Socorrido no hospital mais próximo, no município da Lapa, Luiz Fernando levou 32 pontos na testa e 12 na parte de trás da cabeça. De lá, foi transferido de ambulância para o Hospital Evangélico, em Curitiba, onde ficou quatro dias na Unidade de Tratamento Intensivo. Seu irmão João, que viajava na cadeirinha, nada sofreu além do susto.

Em 2000, mais de mil crianças entre 0 e 14 anos morreram no Brasil em acidentes de trânsito. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, os acidentes de tráfego também estão entre os principais responsáveis pela morte de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos no Brasil. E os dados da Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfego (Abramet) revelam que 33% das mortes de crianças com idade superior a 1 ano e 40% dos óbitos na adolescência são provocados por acidentes de tráfego. Isso acontece sobretudo porque, de acordo com Synésio Batista da Costa, presidente do Instituto da Qualidade de Brinquedos e Artigos Infantis (IQB), somente um terço dos motoristas brasileiros faz uso do assento de segurança para crianças.

Outros especialistas concordam. "Não resta a menor dúvida", diz Jorge Guilherme Francisconi, diretor-geral do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). "Os assentos de segurança podem evitar lesões graves ou fatais durante um acidente."

Os assentos de segurança para crianças começaram a ser fabricados no Brasil em 1972. A partir dos anos 90, modelos importados da Europa e dos Estados Unidos também chegaram ao país.

Mais conhecidos como cadeirinhas, esses dispositivos vêm se revelando salva-vidas onde quer que sejam usados. Estudos americanos recentes demonstram que, nos acidentes automobilísticos, eles reduzem em 71 % o número de mortes de crianças de colo e em 54% as mortes de crianças entre 1 e 3 anos. Em 47% das mortes de crianças com menos de 5 anos, nenhum dispositivo de segurança estava sendo utilizado.

Apesar de a maioria da população não saber, no Brasil, desde 1998, o uso dos dispositivos de segurança para crianças é obrigatório por lei. Para transitar em veículos automotores, os menores de 10 anos devem ser transportados nos bancos traseiros e usar, individualmente, cinto de segurança ou sistema de retenção equivalente - ou seja, a cadeirinha. A ausência do dispositivo adequado deve ser punida com multa. O nãocumprimento dessa lei é considerado infração gravíssima. O infrator, além de perder sete pontos na carteira, ainda tem de pagar multa no valor de 180 Ufirs.

Mas por que a lei não é cumprida? "Alguns pais acham que o cinto de segurança comum é suficiente para proteger os filhos, outros não prendem a criança por completo ou não usam as cadeirinhas por ignorância", diz Batista da Costa. "Outros, ainda, levam os filhos no colo. Cada uma dessas opções pode ser fatal." Além disso, ainda não existe no Brasil uma fiscalização eficiente do cumprimento da lei.

Como funcionam

O professor Marcelo Martins Werneck, coordenador do Programa de Engenharia Biomédica da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), explica a dinâmica de uma colisão de carro: "Quando a criança está dentro de um carro em movimento, tanto ela quanto o veículo se movem à mesma velocidade", diz ele. "Mas, se o carro pára de repente, a criança é lançada para a frente porque continua a mover-se mais ou menos à mesma velocidade que tinha o carro no momento do impacto. Assim, a cabeça e o tórax da criança batem contra o que estiver à sua frente - por exemplo, o encosto dos bancos dianteiros ou o painel e o pára-brisa."

Às vezes, seu filho pode ser lançado para fora do carro por uma janela ou porta aberta, ou mesmo atravessar o pára-brisa. Se isso ocorrer, a probabilidade de morte aumenta significativamente. O que os assentos de segurança fazem é conter a criança em tais situações.

"A conclusão é óbvia", diz o professor Werneck. "É melhor a criança estar presa por um assento de segurança dentro do carro, pois, quando ele parar ou mesmo diminuir abruptamente a velocidade, ela vai parar junto. E isso pode evitar lesões graves e até mortes."

Também não é seguro carregar o bebê no colo, mesmo no banco traseiro de um automóvel. "Em caso de acidente, a força que a criança exerce não é suportável para nenhum ser humano", ressalta a Dra. Regina Kaiser Pirito, vice-presidente do Laboratório de Acidentes e Segurança Viária. "Num acidente, uma criança de 20 quilos representa uma força de quase uma tonelada nos braços de quem a estiver segurando."

A promotora de eventos Ana dos Santos Silva, 30 anos, voltava da casa de sua mãe no Flamengo, no Rio de Janeiro, para sua residência em Copacabana, na tarde de 28 de janeiro de 2001. Seu marido, o representante comercial Jorge Silva, 38 anos, dirigia o Corsa do casal. Ana estava sentada no banco de trás do carro e em seu colo levava a pequena Camila, então com 11 meses, única filha do casal.

Em vez de usar a cadeirinha, Ana preferiu viajar com a filha no colo, com a neném na posição vertical e o cinto de segurança prendendo ambas. Por volta das 18 horas, quando entravam na garagem do edifício onde moram, Jorge distraiu-se e colidiu contra a parede.

"Foi apenas uma batidinha, mas o impacto foi suficiente para a cabecinha de Camila ser jogada para trás e ela acabou sofrendo uma lesão no pescoço", lembra Ana.

O bebê foi levado para o Hospital Copa D'Or e, após uma série de exames, ficou constatado que Camila deveria ficar uma semana internada com o pescoço imobilizado. O acidente não deixou seqüelas, mas serviu de exemplo para os pais. "Hoje, saio de carro com minha filha somente se ela estiver presa ao assento de segurança", garante Ana.

Os cintos de segurança normais são muito grandes para bebês e crianças pequenas e, de acordo com os especialistas, só deve ser usado em crianças com mais de 1,55 metro de altura. Elas devem ser transportadas no banco traseiro e o assento de segurança deverá ser sempre utilizado com o cinto, de preferência o de três pontos. Como a maioria dos carros brasileiros não possui esse tipo de cinto na posição central do banco traseiro, os especialistas recomendam sua instalação.

Cultivando o hábito

"Testes comprovam que uma criança usando assento de segurança tem 71% mais probabilidade de sobreviver a um acidente de carro", revela Luciana O'Reilly, coordenadora do Criança Segura Safe Kids Brasil, instituição sem fins lucrativos voltada para a prevenção de lesões não intencionais em crianças e adolescentes de até 14 anos. "Alguns pais alegam que é inconveniente, pois os filhos não querem ficar na cadeirinha e choram. O uso do assento de segurança não deve ser uma opção da criança, assim como não o é ir à escola ou escovar os dentes. É uma questão de hábito e educação."

E como as cadeirinhas são uma forma de segurança, nenhum transtorno ou inconveniente vale a vida de uma criança. Mas quem coloca regularmente o filho num assento de segurança afirma que o transtorno dura pouco. "O assento de segurança salvou a vida do meu filho João Gabriel, e a falta dele causou um grande susto em Luiz Fernando", afirma Cidiane. "Hoje, nunca saio sem colocar meus dois filhos nas cadeirinhas."

Mesmo em percursos curtos a cadeirinha é essencial. Às 17h30 de 6 de junho de 2000, o publicitário João Ferreira Santana, 25 anos, apanhou o filho Henrique, 4 anos, no colégio em Belo Horizonte, Minas Gerais. Como sua casa ficava perto da escola, Santana pensou duas vezes se prenderia ou não o filho à cadeirinha, pois acabava de sair do trabalho e se sentia cansado e com pouca disposição.

No entanto, achou prudente amarrar Henrique ao assento e foi para casa. No caminho, quando estava parado em um sinal, um Renault Clio branco perdeu o controle e bateu na traseira de seu Vectra.

Santana se virou para trás. Respirou aliviado quando viu que Henrique estava em perfeita segurança, sem um arranhão sequer. "Qualquer que seja o percurso, não dispenso a cadeirinha - ainda mais depois daquela tarde", diz.

Cuidados a tomar

Uma cadeirinha de má qualidade ou instalada de modo inadequado é tão eficiente quanto não ter uma cadeirinha - num acidente, provavelmente ela não terá utilidade alguma.

"Os modelos de cadeirinhas confiáveis e seguros são aqueles que estão de acordo com as normas técnicas do país de fabricação e origem, com selo de qualidade e segurança", avisa Regina. "E um conselho: evite as cadeirinhas de segunda mão."

Também é essencial ler o manual. "É importante observar que as chamadas conchinhas têm de ser posicionadas no sentido contrário ao da marcha do carro, ou seja, de costas para o painel, e os outros modelos, de frente", diz Regina.

Após um acidente, recomenda-se que as cadeirinhas sejam enviadas ao fabricante. "Só depois de avaliado e liberado pela fábrica, o assento pode voltar a ser usado", alerta Carlos Alberto Halas, engenheiro de uma fábrica brasileira de cadeirinhas. "Mas, se o acidente tiver ocorrido a mais de 50 km/h, o recomendável é que a cadeirinha não seja reutilizada."

Cumprindo a lei

Como a fiscalização não está sendo feita de forma efetiva, cabe aos pais assumir a responsabilidade pela segurança dos filhos. "Os pais devem se conscientizar de que a cadeirinha pode salvar vidas", ressalta Synésio Batista da Costa.

Segundo Regina, é preciso desenvolver a mentalidade de prevenção de acidentes por meio de campanhas educacionais. "A verba para as campanhas poderia ser obtida por intermédio de parcerias com organizações governamentais, não-governamentais e empresas privadas", diz ela. "Ainda há muito por fazer."

Quanto a você, lembre-se de que um acidente grave pode ocorrer em qualquer lugar, a qualquer momento. Portanto, seja responsável e sempre acomode as crianças num assento de segurança.

E você? Sabia que o uso dos assentos de segurança é obrigatório?

Na hora de comprar

Há três tipos de assentos de segurança para os carros de passeio brasileiros. Saiba qual deles é adequado para o seu filho.

- conchinhas - para crianças de até 9 meses ou até cerca de dez quilos;
- reversíveis - para crianças de 9 meses a 4 anos ou entre 9 e 20 quilos;
- assentos elevatórios (boosters) - para crianças de 4 anos a 12 anos ou de até 1,45 m de altura.

Quando a criança medir mais de 1,45 m deverá andar no banco de trás usando o cinto de três pontos do carro, sem a cadeirinha.

É muito importante usar a cadeirinha certa para o tamanho da criança. "A conchinha deve ser utilizada desde o dia em que a criança sai da maternidade", diz a Dra. Renata Waksman, pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e membro do Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente da Sociedade Brasileira de Pediatria. "A inclinação da cadeira permite um bom suporte para a cabeça, o pescoço e a coluna do bebê, em caso de colisão", explica. "Quem não usa a cadeira adequada ao tamanho do filho está pondo a vida da criança em risco", adverte a pediatra.


cadeirinha de bebê para carro



Os acidentes de tráfego são responsáveis por 33% das mortes de crianças com idade superior a 1 ano.

 

O uso do assento de segurança não deve ser uma opção da criança. É uma questão de hábito e educação.

 

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Fonte: Cortesia da Revista Seleções do Reader's Digest - Março/2002 - www.selecoes.com.br

 

Publicado no Portal da Família em 01/Março/2002

 

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