Portal da Família
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Fascínio, Imitação e Desmedida: Hobbes, Paris Hilton e a Gangue Juvenil |
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André Gonçalves Fernandes |
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“A América tem um certo fascínio doentio por Bonnie e Clyde”, diz um protagonistas do ótimo filme “Bling Ring, a gangue de Hollywood”, baseado em fatos reais. Bonnie Parker e Clyde Barrow foram um casal de assaltantes de bancos que aterrorizaram os Estados Unidos durante o período da Grande Depressão . Entre um assalto aqui e outro ali, assassinavam quem estivesse no encalço, como quem dá um bico numa pedra que ocupa o meio do caminho. De fato, os jovens do filme deixaram-se levar por aquele fascínio doentio de desmedida material, sem necessidade, porque já tinham um padrão de vida que estava bem longe de qualquer noção de pobreza material, a julgar pela vida que levavam no bairro mais chique de Los Angeles. A desmedida material da gangue era, no fundo, algo além da imitação dos modos de se vestir das celebridades que endeusavam: a ideia era ser parte daquele estilo de vida usando as roupas, os sapatos, as jóias, os adereços e os perfumes dos próprios donos. Detalhe: sem o consentimento deles. Ou, como diz a outra protagonista da película, sabendo que Paris Hilton daria uma festa de arromba fora de sua casa naquela noite: “Vamos dar um pulo na Paris. Eu quero roubar!”. Assistir um burguês roubando outro burguês faria um marxista delirar. Mas não é o caso. Na época moderna, a burguesia, de fato, fez do poder seu valor supremo, ao dizer que o homem é medido por seus recursos. Aliás, esse foi uma parte do legado de Hobbes, não o sábio tigre de pelúcia do Calvin (que, por aqui, foi pessimamente traduzido como Haroldo), mas o original, o do Estado-Leviatã. Ele formulou com enorme força e coerência o ideal do homem burguês e a identificação do homem com seu poder e seus meios. Poder significa força. Identificar o homem com o poder siginifica apostar em si mesmo como o senhor de tudo aquilo que o rodeia. Hoje, o poder mais direto e evidente é o poder do dinheiro, pois o uso que se faz dele é muito mais amplo e sofisticado que no passado. No caso de dúvida, perguntem para o Eike Batista que, mesmo tendo “empobrecido”, continua bem rico para o padrão tupiniquim. E, com raras exceções, como o tio Patinhas, ao lado do uso de muito dinheiro, aparece o luxo, como sinal de ostentação de poder. Para aqueles jovens ambiciosos do filme, não era suficiente o luxo que o dinheiro dos pais já lhes proporcionava e que permitia comprar a mesma bolsa Chanel ou mesmos óculos Prada da Paris Hilton. Era preciso ostentar a bolsa Chanel e os óculos Prada subtraídos diretamente do closet da dona dos bens, o que os tornaria mais fortes e distintos no meio da juventude endinheirada em que já viviam. Em suma, para muitos, o luxo do luxo. Para outros, o lixo do lixo. Se uma excessiva preocupação pelo luxo materializa a vida humana até torná-la miserável, fico a imaginar o grau de miséria a que alguém pode chegar quando esse luxo é ostentado a partir de uma relação mimética em que o proprietário da coisa furtada é mais importante que a coisa furtada . Porque alguém que usa as roupas subtraídas da Paris Hilton, não quer imitar a Paris Hilton: que ser a própria Paris Hilton, com se isso fosse possível. Todos queremos ser o que os nossos modelos são ou pretendem ser. E há modelos e modelos. A sabedoria está em escolher um modelo que nos conduza à uma certa excelência moral e não material. Quando fazemos a segunda escolha, à semelhança dos membros da gangue, ficamos expostos à tentação de poder quase incontrolável que o dinheiro proporciona, acompanhada por seu rolo compressor de interesses que atropela qualquer limite ético-social. Numa sociedade em que há dinheiro e celebridades a granel, corremos o risco de ficarmos enredados nesse clima burguês de poder hobesiano, o qual cria as condições para que um fascínio saudável pelo virtuoso seja, sem pestanejar, substituído por um fascínio doentio pela desmedida. Dessa forma, a afirmação que abre o artigo faz sentido. Seja um fascínio doentio pela desmedida de Bonnie e Clyde ou dos protagonistas do filme. Ou mesmo daqueles que viessem a assaltar as casas dos jovens assaltantes, em busca da bolsa Chanel e dos óculos Prada da Paris Hilton. Com respeito à divergência, é o que penso. |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 28/08/2013 |
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