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Estatuto do Idoso, alerta à insensibilidade

Carlos Alberto Di Franco
difranco@ceu.org.br

 

São Paulo (SP) - Ao comentar a recente aprovação do Estatuto do Idoso, editorial do jornal O Estado de S.Paulo salientou, com razão, que bom seria que o ordenamento jurídico nem precisasse normatizar aquilo que é interesse indiscutível de todos, parte indissociável da sensibilidade do ser humano, como é o respeito aos mais velhos. “Até parece estranho”, sublinha o editorialista, “ter que punir pessoas, com penas privativas de liberdade, para que a sociedade tome consciência da necessidade de dar um mínimo de proteção aos que logram atingir idade mais avançada -e por isso merecem ser premiados pela vida, não castigados.”

A normatização do respeito aos idosos é, no entanto, uma imperiosa necessidade. O esgarçamento das relações e a força do egoísmo têm transformado pais e avós em reféns de todo tipo de abusos. Recente matéria do jornal O Globo mostra que os conflitos vividos na novela “Mulheres Apaixonadas” por Dóris com seus avós Flora (a personagem de Carmen Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada) são uma realidade cada vez mais presente nos lares brasileiros. Transcrevo, caro leitor, um caso real. As irmãs Maria e Nair, de 70 e 73 anos, moradoras no Largo do Machado, no Rio de Janeiro, são um triste exemplo da desumanização das relações familiares. Elas são maltratadas pela sobrinha, de 19 anos, que praticamente se mudou para o apartamento delas com o namorado. “Nos fins de semana, ela traz os amigos, passam o tempo consumindo bebidas alcoólicas e fazendo baderna até altas horas. Quando vamos reclamar, ela nos coloca para fora do nosso apartamento, deixando-nos do lado de fora durante horas”, conta Maria, que se diz humilhada pela sobrinha.

A agressão aos idosos e a violência contra a infância abandonada (outra ponta do problema) são elos da mesma corrente. Trata-se do resultado lógico do individualismo e da cultura da morte. Estou convencido, por exemplo, que o holocausto silencioso dos inocentes (o aborto descendente) está na raiz da imolação do adulto não desejado (o aborto ascendente). Seguindo a lógica do egoísmo, chegará a vez (já está chegando) dos idosos, dos doentes, dos aposentados. Exagero? Penso que não. Um amigo psiquiatra, arguto e competente, dizia-me que algumas doenças psíquicas têm melhor prognóstico terapêutico nos países do Terceiro Mundo. “Aqui”, afirmava, “ainda existem laços familiares.” O Primeiro Mundo, rico e consumista, padece de subdesenvolvimento afetivo. A realidade, no entanto, não confirma o otimismo do psiquiatra. Estamos perdendo afetividade. Aceleradamente.

O rosto do Brasil, marcado por crescente insensibilidade, apresenta as cicatrizes da desumanidade. Pequenos poodles, simpáticos e bem-alimentados, transitam em belos carros importados. Seus donos, protegidos por portas travadas e curtindo um bom som, passam batido pela miséria que grita nas nossas esquinas. Lá dentro, tudo é festa. Lá fora, a indiferença produz a pólvora da violência. É inútil se enclausurar em condomínios fechados, erguer muros cada vez mais altos. A violência é o corolário da injustiça.

O egoísmo pragmático e calculista, está no cerne de inúmeras contradições. Quando o velho é encarado como um estorvo, quando chacinas são apoiadas por segmentos da sociedade como forma de combate à delinqüência, quando a morte da criança é defendida em nome da vida, paira no ar uma sensação de profundo desacerto. A democracia só cresce no clima de respeito à vida e à dignidade humana. A eliminação do feto, o abandono da infância carente e a agressão ao idoso, atitudes cruéis e anti-humanas, são uma forte estocada nos valores democráticos. Colhemos o que plantamos. Rigorosamente. É só esperar. Os espancamentos impostos ao direito à vida e à dignidade humana reclamam tutelas especiais. À semelhança do Estatuto da Criança e do Adolescente (instrumento magnífico, mas que está a exigir algumas adaptações em razão do aumento assustador da criminalidade infanto-juvenil), o Estatuto do Idoso merece o apoio de todos os que lutam por uma sociedade justa e humana.

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Artigo publicado na coluna Opinião em Foco - 01/09/2003 - Master em Jornalismo para Editores

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores e professor de Ética Jornalística, é representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil



 

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