Portal da Família
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ENTUSIASMAR-SE Sueli Caramello Uliano |
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Caminante, no hay camino
Faleceu há pouco tempo a senhora
Ignez Costa, que tinha tudo para passar a vida no mais completo anonimato,
sendo, como foi, uma dedicada mãe de família. Ninguém
ouviu falar de Dona Ignez Costa? Pois saibam que a sua figura e as suas
palavras correram mundo. Conheci-a em 1974, durante um encontro
de famílias com Monsenhor Escrivá, no Palácio das
Convenções do Anhembi. Tratava-se de uma reunião
muito peculiar, sem discursos emproados e sem formalidades, em que algumas
pessoas iam conseguindo, desde o auditório superlotado, dirigir
ao sacerdote algumas perguntas. Com freqüência estabelecia-se
um autêntico diálogo, profundo, dinâmico e convincente,
que a platéia acompanhava com grande interesse. E Dona Ignez Costa teve a felicidade
de fazer a sua pergunta, que deu ensejo a um dos momentos mais comoventes
e mais férteis daquela reunião. Começou dizendo que
tinha vinte e três anos de casada e cinco filhos, e Monsenhor Escrivá
interrompeu-lhe a fala, lisonjeiro e carinhoso. Ela emocionou-se até
as lágrimas, desarmada, começando a revelar assim, ao interlocutor
e à platéia, a sua sensibilidade. Em 1975, Monsenhor Escrivá faleceu,
em Roma, e, a partir daí, a televisão italiana produziu
vários documentários sobre ele e a Obra que fundara em 1928,
o Opus Dei. E a pergunta de Dona Ignez, que motivou uma longa e enfática
resposta, correu mundo. Usando um microfone que se deslocava pelo auditório,
ela disse: Muitas vezes ouvi que o senhor recomenda aos casais que
se queiram bem, como se sempre fossem namorados. Como poderia aumentar
e manter no meu casamento o entusiasmo dos primeiros tempos? A resposta de Monsenhor Escrivá,
hoje São Josemaria Escrivá, descreveu-lhe um fecundo e ambicioso
programa de vida, mas hoje eu gostaria de me deter na pergunta feita por
Dona Ignez. Não me parece muito comum, nos
dias que correm, que as pessoas compreendam o que seja o "esforço
por entusiasmar-se". Entusiasmo é algo que se pretende espontâneo,
gratuito, arrebatador. É uma vibração que domina
a vontade, que leva a agir na mais completa convicção de
que se está no caminho da felicidade. No relacionamento entre namorados,
então, o entusiasmo é marca peculiar. Mas é também
real e fulminante o prognóstico que muitas vezes se confirma: esse
entusiasmo é fogo de palha. A pergunta de Dona Ignez situa-se
na encruzilhada do deixar apagar ou revigorar, no apelo de, queimada a
palha que facilitou atear-se o fogo, meter ombros à tarefa de produzir
o próprio calor. Todas as decisões que tomamos
têm a sua porcentagem de incerteza. E por mais que nos cerquemos
de garantias ditadas pela mais ponderada prudência, escolher um
caminho de vida, ou alguém com quem partilhar a existência
é, antes de tudo, ponto de partida. Escolhemos o ponto de partida
tendo em vista um objetivo ideal. E entre os dois pontos, há um
caminho a tecer. No dizer do poeta espanhol, Antonio Machado: Caminante,
son tus huellas/ el camino y nada más; / caminante, no hay camino/
se hace camino al andar. (Caminhante, são as tuas pegadas o
caminho, e nada mais; caminhante, não há caminho, o caminho
se faz ao andar.) Voltando às palavras de Dona Ignez:
Como aumentar e manter o entusiasmo dos primeiros tempos? Nas raízes
dessa pergunta há uma decisão de fidelidade, de amoroso
compromisso, atitude talvez pouco valorizada neste tempo marcado pela
frivolidade. Não se trata de mudar de porto, nem de barco, mas
de acertar o rumo, ser fiel ao compromisso que se assumiu e batalhar para
tornar real e vibrante cada passo, ao longo de todo o percurso. Dona Ignez não estava empenhada
em descobrir como suportar e ir levando o seu casamento nos limites da
tolerância, naquela perigosa margem de erro entre o amor e o desamor,
na qual cada um se permite desabafar, decepcionar, alfinetar... Muito
longe disso, queria manter o entusiasmo, a vibração, queria
irradiar calor perene e não apenas produzir faíscas de ocasião.
Na linguagem empresarial de nossos tempos, queria "otimizar"
o seu casamento, desde o ponto de partida até a consecução
do objetivo almejado. E isso, sem dúvida, não é gratuito,
não é um arrebatamento; é esforço de construção. Estamos sempre comemorando alguma data:
Dia dos Pais... Dia das Mães... Dia da Criança... Impossível
tratar qualquer um desses homenageados sem levar em conta os outros dois
e ainda ter, como pressuposto, o clima propício ao Dia dos Namorados,
como bem se entrevê na pergunta feita por Dona Ignez. Todos são
personagens atuantes na construção da família. E
a família... Nem é preciso falar das tristezas que estão
na base e nas conseqüências do seu esfacelamento. Tristezas... Queremos tanto ser felizes
e fazer feliz a vida dos que convivem conosco e, no entanto, com freqüência
perdemos o ponto de mira, dispersamo-nos em anseios menores, negamo-nos
a fazer o tal "esforço por entusiasmar-se", por descobrir
como aumentar e manter o entusiasmo dos primeiros tempos. Afinal, o que
pode fazer mais feliz um filho do que ver que os seus pais se querem como
se sempre fossem namorados? O que pode dar-lhe maior segurança
do que a união da sua família? E, junto com a segurança,
o equilíbrio e a paz... Só para concluir: a Dona Ignez
teve um imenso sucesso. Marido, filhos, netos e bisnetos certamente lhe
agradecem. Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação. É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais. e-mail: scaramellu@terra.com.br |
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