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Coluna "A prosa heróica de cada dia"

ENTUSIASMAR-SE

Sueli Caramello Uliano

Caminante, no hay camino
Se hace camino al andar
(Antonio Machado)

 

Faleceu há pouco tempo a senhora Ignez Costa, que tinha tudo para passar a vida no mais completo anonimato, sendo, como foi, uma dedicada mãe de família. Ninguém ouviu falar de Dona Ignez Costa? Pois saibam que a sua figura e as suas palavras correram mundo.

Conheci-a em 1974, durante um encontro de famílias com Monsenhor Escrivá, no Palácio das Convenções do Anhembi. Tratava-se de uma reunião muito peculiar, sem discursos emproados e sem formalidades, em que algumas pessoas iam conseguindo, desde o auditório superlotado, dirigir ao sacerdote algumas perguntas. Com freqüência estabelecia-se um autêntico diálogo, profundo, dinâmico e convincente, que a platéia acompanhava com grande interesse.

E Dona Ignez Costa teve a felicidade de fazer a sua pergunta, que deu ensejo a um dos momentos mais comoventes e mais férteis daquela reunião. Começou dizendo que tinha vinte e três anos de casada e cinco filhos, e Monsenhor Escrivá interrompeu-lhe a fala, lisonjeiro e carinhoso. Ela emocionou-se até as lágrimas, desarmada, começando a revelar assim, ao interlocutor e à platéia, a sua sensibilidade.

Em 1975, Monsenhor Escrivá faleceu, em Roma, e, a partir daí, a televisão italiana produziu vários documentários sobre ele e a Obra que fundara em 1928, o Opus Dei. E a pergunta de Dona Ignez, que motivou uma longa e enfática resposta, correu mundo. Usando um microfone que se deslocava pelo auditório, ela disse: Muitas vezes ouvi que o senhor recomenda aos casais que se queiram bem, como se sempre fossem namorados. Como poderia aumentar e manter no meu casamento o entusiasmo dos primeiros tempos?

A resposta de Monsenhor Escrivá, hoje São Josemaria Escrivá, descreveu-lhe um fecundo e ambicioso programa de vida, mas hoje eu gostaria de me deter na pergunta feita por Dona Ignez.

Não me parece muito comum, nos dias que correm, que as pessoas compreendam o que seja o "esforço por entusiasmar-se". Entusiasmo é algo que se pretende espontâneo, gratuito, arrebatador. É uma vibração que domina a vontade, que leva a agir na mais completa convicção de que se está no caminho da felicidade. No relacionamento entre namorados, então, o entusiasmo é marca peculiar. Mas é também real e fulminante o prognóstico que muitas vezes se confirma: esse entusiasmo é fogo de palha. A pergunta de Dona Ignez situa-se na encruzilhada do deixar apagar ou revigorar, no apelo de, queimada a palha que facilitou atear-se o fogo, meter ombros à tarefa de produzir o próprio calor.

Todas as decisões que tomamos têm a sua porcentagem de incerteza. E por mais que nos cerquemos de garantias ditadas pela mais ponderada prudência, escolher um caminho de vida, ou alguém com quem partilhar a existência é, antes de tudo, ponto de partida. Escolhemos o ponto de partida tendo em vista um objetivo ideal. E entre os dois pontos, há um caminho a tecer. No dizer do poeta espanhol, Antonio Machado: Caminante, son tus huellas/ el camino y nada más; / caminante, no hay camino/ se hace camino al andar. (Caminhante, são as tuas pegadas o caminho, e nada mais; caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar.)

Voltando às palavras de Dona Ignez: Como aumentar e manter o entusiasmo dos primeiros tempos? Nas raízes dessa pergunta há uma decisão de fidelidade, de amoroso compromisso, atitude talvez pouco valorizada neste tempo marcado pela frivolidade. Não se trata de mudar de porto, nem de barco, mas de acertar o rumo, ser fiel ao compromisso que se assumiu e batalhar para tornar real e vibrante cada passo, ao longo de todo o percurso.

Dona Ignez não estava empenhada em descobrir como suportar e ir levando o seu casamento nos limites da tolerância, naquela perigosa margem de erro entre o amor e o desamor, na qual cada um se permite desabafar, decepcionar, alfinetar... Muito longe disso, queria manter o entusiasmo, a vibração, queria irradiar calor perene e não apenas produzir faíscas de ocasião. Na linguagem empresarial de nossos tempos, queria "otimizar" o seu casamento, desde o ponto de partida até a consecução do objetivo almejado. E isso, sem dúvida, não é gratuito, não é um arrebatamento; é esforço de construção.

Estamos sempre comemorando alguma data: Dia dos Pais... Dia das Mães... Dia da Criança... Impossível tratar qualquer um desses homenageados sem levar em conta os outros dois e ainda ter, como pressuposto, o clima propício ao Dia dos Namorados, como bem se entrevê na pergunta feita por Dona Ignez. Todos são personagens atuantes na construção da família. E a família... Nem é preciso falar das tristezas que estão na base e nas conseqüências do seu esfacelamento.

Tristezas... Queremos tanto ser felizes e fazer feliz a vida dos que convivem conosco e, no entanto, com freqüência perdemos o ponto de mira, dispersamo-nos em anseios menores, negamo-nos a fazer o tal "esforço por entusiasmar-se", por descobrir como aumentar e manter o entusiasmo dos primeiros tempos. Afinal, o que pode fazer mais feliz um filho do que ver que os seus pais se querem como se sempre fossem namorados? O que pode dar-lhe maior segurança do que a união da sua família? E, junto com a segurança, o equilíbrio e a paz...

Só para concluir: a Dona Ignez teve um imenso sucesso. Marido, filhos, netos e bisnetos certamente lhe agradecem.


Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação.

É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais.

e-mail: scaramellu@terra.com.br

 


 

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