Mas,
se formos fazer um para cada um, não vai dar tempo. É muita
coisa, mãe.
O comentário da filha mais velha, embora não fosse desprovido
de objetividade, carregava, no tom, uma boa dose de preguiça.
Não precisamos fazer para todos. Podemos dar só para
as senhoras e meninas.
Era a vez do protesto masculino:
E os homens, não ganham nada? Fica feio, mãe.
Podemos fazer trufas para os homens.
A filha do meio também tinha algo a dizer:
Trufas, nós já fizemos no ano passado e, além
disso, depois dos ovos de Páscoa, não quero nem pensar em
passar horas com aquele cheiro de chocolate a dar até arrepios
de enjôo.
Era engraçado ver como argumentavam os três filhos, criticando
uma ou outra proposta, mas, definitivamente, tomando como certa e própria
a idéia de que os presentes de Natal seriam feitos por eles. Já
fazia algum tempo que a mãe inventara de fazer presentes muito
pessoais que significavam, além do óbvio, uma boa maneira
de ocupar os filhos nesse período das férias em que não
se viaja e não se tem programa melhor que dormir, comer, gastar
ou, o cúmulo da ociosidade, comer pipoca em frente da televisão.
Então podemos fazer aqueles biscoitos de nozes para os homens.
Está bom. São bem gostosos e não são
muito difíceis. A gente faz a massa lá pelo dia 21, deixa
na geladeira uma noite e assa tudo no dia 22.
Melhor adiantar isso um pouco. No dia 22, vou estar assando os
bolos para o almoço do dia 25.
Mas os biscoitos não vão ficar velhos?
Guardados em latas bem fechadas, eles se conservam por muitos dias.
Não tem perigo.
Mas e o calendário, não é difícil demais?
O dito calendário de madeira aparecera em uma revista como oferta
de uma loja de presentes. A revista passara de mão em mão.
Todos tinham achado lindo.
Mãe! Como vamos cortar a madeira?
Com a serra tico-tico do vovô. Na realidade, corte difícil
mesmo vai ser o desta parte redonda. O resto é de linhas retas,
acho que dá até para trazer cortado da loja de materiais.
Mas se já vem cortado, o que vamos fazer?
Não se preocupe. Vai ter muita coisa para vocês fazerem.
Lixar, pintar, colar, montar... Precisamos é começar logo
para dar tempo.
Tudo combinado, começou a fase de execução.
A escolha do material obrigou a três incursões em urna loja
do tipo faça-você-mesmo. Foram também a duas lojas
de ferragens e passaram por três papelarias. A madeira já
viria na largura certa, mas o comprimento teria que ser acertado em casa,
por causa da tal curva. As tintas, finalmente as apropriadas, tinham cores
boas e as arruelas, que viriam a ser os marcadores, pareciam ser do tamanho
certo. Algumas idéias geniais e outras tantas adaptações
faziam antever um bom resultado.
Mãe, é incrível!
Com o preço de dois calendários prontos - a filha do meio
era a contabilista da família - compramos o material para todos
os dezesseis que vamos fazer. Que economia!
A mãe não pôde deixar de rir.
A economia pode ser interessante,
mas acho que não é por isso que vamos fazer tudo. Se fosse
assim, mais econômico mesmo seria não comprar e também
não fazer.
A idéia de não dar presentes de Natal pareceu desconcertar
as crianças. A mãe tentou deixar mais claro o que queria
dizer.
Por que vocês querem dar
os presentes?
Porque é Natal, ora!
Mas por que damos presentes no
Natal?
Um breve silêncio. A mais velha, do alto dos seus treze anos, foi
a primeira a conseguir formular alguma idéia:
Para comemorar o nascimento de
Jesus, para repartir essa alegria com os outros.
Está certo. E se é
assim, qual é o melhor tipo de presente?
Os dois mais novos seguiam o diálogo sem perder uma palavra.
O melhor que a gente possa dar.
O mais caro, filha?
Não, não e isso. O melhor acho que é
o presente que mostra a nossa alegria, o nosso carinho.
É isso, mãe - era
a vez de a segunda filha dizer algo -, se o presente tem que mostrar o
nosso carinho, aquele que a gente faz mostra isso melhor do que o que
a gente compra pronto, porque a gente fica ali fazendo, caprichando, pensando
em quem vai ganhar o presente.
Ela não sabia dizer que dar de si era o verdadeiro
presente, mas a idéia parecia já se ter formado. A mãe
deu-se por satisfeita.
Agora era trabalhar. Bem, a partir de segunda-feira,
porque os primos tinham convidado a todos para o fim de semana no sítio
e, afinal, o tempo estava ótimo.
Na terça, a mãe já esbravejava:
Vocês assumiram o compromisso
e compramos todo o material. É bom começarem logo; se não,
não dá tempo.
Calma, mãe. Nós vamos
fazer tudo, você vai ver. Vai dar tempo e vai sair tudo super certo.
Dois dias depois, ninguém mais tinha certeza. Com a serra elétrica
do avô - também ele ajudava - não se conseguia dar
ao corte a precisão esperada. Era preciso lixar muito mais do que
tinham imaginado. Mas, era tocar o barco e pegar o touro à unha
- ou à lixa, se necessário.
Dezesseis vezes trinta e um...
são 396 toquinhos de madeira para fazer os "dias".
Fugiu da escola, é? São
496, e não pare de lixar.
As "gentilezas" entre irmãos proliferavam.
Você deixou tudo mal lixado!
Está horrível,
E você também pintou
as casinhas como seu nariz. Está tudo borrado.
Mãe!! Elas não deixam
eu ajudar! Elas dizem que não sei fazer nada.
Era sempre preciso intervir para apaziguar os ânimos.
Se é para brigar, o trabalho
não serve para nada. Meninas, descubram uma tarefa que seu irmão
consiga fazer bem, ou o ensinem a fazer melhor as que ele já está
fazendo. E você, trate de aceitar que elas o ensinem.
Quando a serra elétrica quebrou, muito antes
dos 496 pinos ficarem prontos, houve uma certa comoção familiar.
Não dava tempo de esperar o conserto da máquina e também
não dava para comprar outra, pelo menos naquele momento. Durante
o jantar, discutiam as alternativas, desanimados:
A serra do tio Toninho, não
adianta pedir. Na semana passada, ele veio pedir emprestada a do vovô,
porque a dele tinha quebrado.
Quem sabe eu consiga cortar com
o serrote - ofereceu-se a mãe.
Você não agüenta.
É muito pesado - o pai era sempre objetivo.
Então não vai dar
para terminar e foi tudo inútil... Silêncio. Continuaram
a comer, sem muita vontade.
Eu serro.
O oferecimento do pai causou surpresa, pois, desde o começo, ele
havia deixado claro que não participaria do "projeto calendário"
por achar que já tinha trabalho e preocupações demais
para assumir outros encargos. Mais tarde, a sós, confessou à
mulher que não resistira à frustração estampada
nos rostos dos filhos. Afinal, eles só queriam ter a alegria de
dar alegria.
O trabalho prosseguiu.
Mãe, a Debbie telefonou
e convidou para ir ao cinema com ela. Podemos ir?
Mas, e essa tinta que vocês
já prepararam? Vai secar tudo. E, depois, acho que não dá
mais para perder tempo. Faltam só três dias para a véspera
do Natal. Vocês ainda não moeram as nozes para os biscoitos.
Vocês sabiam que eu não ia dar conta de tudo sozinha.
A Debbie disse que adorou as nossas
idéias e que vem para ajudar depois do cinema. A tinta a gente
cobre com um plástico e ela não seca.
Apesar de desconfiar da eficiência do mutirão, a mãe
acabou concordando. Para seu espanto, à noite, as quatro crianças
trabalharam com afinco e ultrapassaram a meta estabelecida para aquele
dia. Tudo caminhava.
As arruelas não se encaixam
nos pinos!
Mas nós medimos e experimentamos!
É, mas o verniz aumentou
um pouquinho a grossura dos pinos e agora não dá.
Encontrar novas arruelas, do tamanho certo e
que fossem de um material que aceitasse a tinta já comprada era
uma nova tarefa para o avô; a mãe já estava irremediavelmente
acampada na cozinha, pilotando o almoço que serviriam aos tios,
primos e avós no dia de Natal. Será que os calendários
ficariam prontos afinal?
Ficaram.
No dia 24, enquanto os embrulhavam com celofane e fita, todos relembravam
as peripécias que haviam ocorrido naqueles últimos quinze
dias. Riam todos.
Os pacotes, arrumados no chão ao pé do presépio,
aguardavam o momento de serem entregues.
Será que vão gostar, mamãe?
Eu gostaria.
Tem um para você tamb...
Fique quieto, língua de trapo. Era surpresa...
Não importa. Vou gostar do mesmo jeito. Não precisam
brigar. Agora, vão-se arrumar para a missa de vigília que
não quero sair em cima da hora.
Calma, mãe. Vai dar tempo...
Do livro "Retratos
de Família", de Cristina Moraes Vojvodic, Editora Quadrante
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