A palavra censura, por motivos históricos que
todos conhecem, carrega às costas uma imensa carga negativa. A
censura foi mal utilizada em muitos lugares e por isso hoje já
não existe.
Mas devia existir, porque sem ela a sociedade não educa: permite
que seja arrasado em poucos minutos aquilo que pais e educadores ajudaram
a edificar com grande esforço ao longo de muitos anos. O que me
custa é que se possa chamar censura - uma palavra tão desagradável
- ao cuidado de não deixarmos entrar na nossa casa a lama.
Pensemos numa família. Por vezes sucede que não deixamos
o filho pequeno fazer coisas como uma escalada nas rochas, porque, não
tendo preparação para uma atividade dessas, poderia eventualmente,
por azar, partir um braço. Maior motivo existe para não
permitirmos que passe horas, todos os dias, a ver tudo o que aparece na
televisão - o que com toda certeza contribuiria muito mais para
a sua infelicidade do que um braço partido...
Se procuramos poupar aos nossos filhos a má companhia de um outro
jovem que se droga ou se embebeda, se evitamos que freqüentem lugares
perigosos para a sua integridade física ou psíquica, é
natural que tenhamos esse mesmo cuidado em relação a um
programa de televisão que lhes é prejudicial.
Mas não deviam ser apenas os pais a ter essa preocupação
com as crianças. Elas não dizem respeito a toda a sociedade?
Os governos não se deviam preocupar com isso?
Os pais não permitem que entre em casa, por exemplo, uma revista
pornográfica, mas os governantes permitem que elas se vendam nas
lojas. Isto parece significar que pais e governantes têm preocupações
diferentes pelas crianças.
Devia haver censura. Com outro nome. Com um nome que refletisse o amor
apaixonado dos pais pelos seus filhos, o entusiasmo enorme de uma nação
pelas suas crianças.
Eu não me importo nada de dizer isto quando não está
na moda dizê-lo. Até porque, como não há censura...,
ninguém me vem prender.
O que sucede atualmente é que - para defender a "liberdade
de expressão" daqueles que produzem certos programas televisivos
e dos que fabricam determinado gênero de revistas e filmes e livros
- permitimos que as nossas crianças e os nossos jovens se sujem
nos vômitos orgíacos dessa gente: pseudo-intelectuais, pseudo-artistas,
porque aquilo que produzem não é bom nem verdadeiro nem
belo.
Ora, a liberdade de expressão não é nada que dê
a alguém o direito de sujar os outros. Neste ponto, ou entendemos
mal, ou estamos nos deixando levar no conto de quem utiliza o termo "liberdade
de expressão" para defender a sua atividade, que não
passa de um inaceitável negócio feito à custa do
mal de outros.
Devíamos proteger os nossos - protegermo-nos a nós mesmos
- desses negociantes de mãos sujas. Era preciso reduzi-los ao silêncio.
Não porque pensem de uma forma diferente da nossa (como sucedia
na censura que foi amaldiçoada), mas porque não entenderam
que coisa é a liberdade. Reduzi-los ao silêncio até
que entendam que ao direito de fazerem o que lhes passa pela cabeça
não é permitido ultrapassar aquele limiar no qual começa
a pisar o direito que as outras pessoas têm de não serem
pisadas.
Paulo Geraldo é
professor de Língua Portuguesa em
Portugal, e responsável pelo site Aldeia
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aldeia.no.sapo.pt
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