Portal da Família
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Clonagem:
Assunto ético? |
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As promessas de terapias eficientes, apoiadas na utilização de embriões humanos, leva-nos obrigatoriamente a questionamentos éticos. Por um lado temos a perspectiva da clonagem humana terapêutica, que visa a gerar embriões humanos para utilizá-los como fonte de células-tronco com aplicações clínicas. Independentemente das reservas éticas que merece, a clonagem terapêutica tem outros problemas metodológicos, entre os quais - não o menor - a captação de óvulos humanos em quantidade suficiente. Para conseguir Dolly, utilizaram-se centenas de óvulos de ovelhas. Como uma mulher produz cerca de 400 óvulos em toda sua vida fértil, liberando somente um óvulo por mês, é fácil prever a escassez de matéria-prima e a laboriosidade metodológica para obtê-los além da "quota ovulatória" imposta fisiologicamente. Num artigo publicado em 17 de fevereiro passado no New York Times, "Specter of cloning may prove a mirage", especialistas apontam sérias dificuldades atuais para a obtenção de verdadeiros clones humanos ou clones humanos isentos de importantes deficiências genéticas. Também relatam que os cientistas coreanos, que recentemente publicaram experimentos para a obtenção de clones humanos, revelaram posteriormente que o sucesso dos experimentos de clonagem só foi possível com a transferência de núcleos de células-cúmulos (que circundam o óvulo maduro no folículo ovariano e o acompanham em sua trajetória extra-gonadal), e não com células de pessoas do sexo masculino, nem mesmo com células de mulheres que não fossem as próprias doadoras dos óvulos. Enquanto essa possibilidade é mais complicada e dispendiosa, temos o recurso aos embriões humanos, obtidos por fertilização in vitro em clínicas de reprodução assistida e armazenados em freezers apropriados. Esses embriões poderão ser implantados no útero de uma mulher ou descartados, ou ainda "reciclados" para a retirada de células-tronco. Neste caso, a conseqüente destruição da programação para uma técnica de reprodução assistida será substituída pelo seu encaminhamento para um experimento-terapêutico in vivo, cujo sucesso é, acima de tudo, clinicamente questionável. Evidentemente, não se trata de resolver um problema ético criado por clínicas de reprodução humana: o que fazer com embriões humanos congelados? A utilização desses embriões para o suprimento de um mercado de consumo pseudocientífico-terapêutico torna-se economicamente atraente, pois as despesas com sua conservação transforma-se numa transação comercial que renderá royalties àqueles que tiverem as melhores células ou melhor souberem conservar seus embriões. O progresso científico-tecnológico é sem dúvida necessário. No entanto, o progresso do conhecimento não pode apoiar-se sobre suposições ou opiniões discriminatórias sobre a vida humana. Sempre que outro ser humano é reduzido a um objeto de manipulação ou de consumo, pulveriza-se a singularidade fundamental de cada pessoa humana. A sociedade perde pontos de referência. Se o utilitarismo é o critério das relações humanas, constitui-se uma ameaça grave para o homem, mais perigosa porque não tão óbvia como armas nucleares. Quando se apresentam os experimentos com embriões humanos como imprescindíveis para as esperanças de cura de pessoas com diabete, com mal de Parkinson ou de Alzheimer ou outra patologia, está-se apresentando uma versão restritiva das investigações com células-tronco.
Na realidade, esta é apenas uma das vias abertas à medicina restauradora que promete proporcionar tratamento a uma ampla variedade de doenças que hoje não se podem curar. As possibilidades são amplas e, portanto, é fundamentada a esperança de encontrar caminhos éticos acessíveis para a medicina restauradora. Tem-se notícias de numerosas pesquisas, visando a terapias, que estão sendo realizadas com sucesso, utilizando células-tronco provenientes de adultos. São estimulantes, entre outros, os dados da equipe de cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Hospital Pró-Cardíaco, publicados na revista científica Circulation, em maio de 2003, e referidos pela Pesquisa Fapesp (número 88, 2003). Mais recentemente, Luis Fernando da Silva Bouzas, mestre em Hematologia do Instituto Nacional do Cancer (Inca), propôs o investimento numa rede pública de coleta de células-tronco do cordão umbilical no artigo "Medicina do futuro", no Jornal da Tarde (edição de 5 de fevereiro passado). Não parece muito mais promissor investir aí, respeitando a vida humana desde a sua origem, independentemente de raça, credo ou preconceito de qualquer natureza?
Sylvia Mendes Carneiro é pesquisadora científica do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan Fonte: Jornal da USP - 8 a 14 de março de 2004
ano XIX no.677 |
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