Os polpudos cofres corporativos
até podem valer mais na ciranda financeira, na apologia dos egos
e no desfile de poderes. Mas perdem de goleada quando os valores em jogo
são a sensibilidade, a fraternidade, o reconhecimento, o amor e
o respeito ao ser humano.
Hoje, espero contar conto com a permissão dos
leitores para fugir um pouco da temática do mundo corporativo e
falar sobre uma questão mais do âmbito social, para não
dizer especificamente humano.
Semana passada recebi de um amigo um e-mail do qual transcrevo parte:
"Quando caminho no parque tenho o costume
de dar bom dia ou boa tarde a
todos os que cruzam a minha rota, pois vou sempre na contra mão
- um hábito que adquiri de sempre fazer assim o mesmo caminho
todos os dias. E foi num dia destes que dei um Bom Dia a um idoso que
vinha cabisbaixo. Creio que ele não esperava o cumprimento. Surpreso,
ele sorriu. Fiquei pensando: que estória de vida estaria por
trás daquele rosto velho e enrugado? Quantas lembranças
lhe vinham a mente naquele instante? Outro dia assisti a uma peça,
onde um personagem diz:" O velho não é visto pela
sociedade. Os olhares transpassam sua figura, como se ele não
estivesse ali..."".
Depois de ler o e-mail do meu amigo, eu é
que fiquei pensando...
Nos dias atuais, uma criança de 10 anos já tem um razoável
estoque de conhecimentos e experiências. Todos os processos educacionais
das escolinhas infantis já incluem passeios, excursões,
visitas a cinemas, teatros, museus - além das festividades, dos
cursinhos introdutórios de idiomas, de natação, de
artes marciais. Acho isso muito bom, porque dá à criança
um cabedal de conhecimentos que extrapola o meramente teórico e
lúdico. Na verdade, prepara a criança para ser mais capaz
e competitiva, como pede e espera a nossa sociedade.
Aos 20 anos, essa experiência já terá se ampliado
consideravelmente. A criança, agora pós-adolescente, já
viaja sozinha, freqüenta festas de aniversários de amigos,
vai a baladas e casas noturnas, já ampliou seu círculo de
amizades, já sabe (ainda que não use ou pratique) o que
é cigarro, bebida, carro e certamente também já conhece
as várias nuances do sexo. Pois, claro, já tem namorada
ou está curtindo a onda do "ficar". E se ainda não
está trabalhando, estará certamente ampliando seus conhecimentos
e habilidades freqüentando colégios, faculdades ou entidades
profissionalizantes.
Aos 30 anos, aquela criança já terá concluído
sua formação técnica ou acadêmica, passou por
vários empregos, já teve muitas experiências pessoais
e profissionais, já foi ao exterior tanto em viagens de férias,
como de negócios e de estudos. Virou "gente grande".
Aos 40 já terá casado, será pai ou mãe, já
possui uma sólida carreira, e muito provavelmente será um
profissional competitivo pelas suas competências, habilidades e
conhecimentos adquiridos e desenvolvidos ao longo de todo esse tempo.
Terá colecionado alguns troféus.
Aos 50 será, finalmente, uma pessoa madura. Quanta vivência,
quantos momentos de vida enriquecedores - talvez nem todos alegres e harmoniosos,
mas sempre com alguma lição absorvida e agregada à
maturidade.
Aos 60 anos a experiência dessa pessoa será inigualável.
Terá conhecido o sucesso e o fracasso; o acerto e o erro; a verdade
e a mentira; a alegria e a dor; os risos e as lágrimas; a conquista
e a rejeição. Terá filhos adultos, terá netos.
Terá tido perdas e ganhos, mas terá, sobretudo vivido com
intensidade a mágica da existência humana.
Aos 70 anos será um sábio. Será uma fonte de ensinamentos.
Um manancial de conhecimentos. Um pós-graduado em paciência.
Um doutor em compreensão. um mestre com MBA da vida - competências
que nenhuma instituição de ensino pública ou privada,
nacional ou estrangeira poderá substituir.
O único ponto esquisito nesta história toda é que,
hoje, depois de tantos anos de lutas e vivências, depois dessa longa
epopéia existencial, esse sábio é um anônimo
e a sociedade não lhe dá o menor espaço para ocupar
seu próprio espaço, um direito adquirido ao longo da vida.
Inclusive no mercado de trabalho, grande parte das empresas dão
mostras diárias de considerá-lo um inútil. Ou seja,
de forma absurda e revoltante, aquele sábio foi transformado em
um ser ignorado, transparente ou invisível, únicas explicações
para a ausência de olhares e cumprimentos, para a absoluta indiferença
diante de sua presença. É o único ser vivo que consegue
ser um ausente mesmo estando presente.
Pela solidão, acentuada nas noites insones, o sábio estará
vulnerável. E por estar vulnerável, estará frágil,
sofrendo com o descaso, com o desrespeito e a indignidade com a qual é
obrigado a conviver.
O que grande parte das pessoas parece não saber é que neurônios
não envelhecem. Assim como a liberdade, que uma vez conquistada,
não se abre mais mão dela, assim também é
a memória, as lembranças, o aprendizado, as experiências.
Não tem como voltar atrás, como regredir. Está tudo
lá, guardadinho num cofre mágico da mente do sábio.
Basta alguém dar uma volta na chave que abre esse cofre. E isso
é tão simples...
Essa chave se chama "oportunidade".
O idoso não quer pena, nem compaixão. Quer a mesmíssima
coisa que todos nós, crianças, jovens e adultos também
queremos: atenção, carinho, respeito e uma chance que seja
de demonstrar a capacidade de ser útil e produtivo.
Lamento muito por aqueles que se recusam a ter esse gesto de justiça
e dignidade e dar o primeiro passo para abrir aquele cofre. Espero que
lembrem que o tempo é implacável e não tem a menor
discriminação: chega para todos. Portanto, também
chegará amanhã para os insensíveis de hoje.
Certamente, aquele meu amigo que caminhava pelo parque e cumprimentou
o idoso que cruzou a sua rota e obteve em troca um sorriso, deu uma volta
na chave. Ele fez a parte dele, como já tem feito e continuará
fazendo. Que Deus o abençoe.
Mas são tantos os cofres...São tantas as lágrimas
escondidas...São tantas as depressões, melancolias e solidão...Para
atender a essa demanda, há que se pensar numa pacífica revolução
amorosa e de respeito ao idoso - e alguém tem que dar o primeiro
passo e abrir aqueles cofres que guardam tesouros de conhecimentos e experiências.
Ao invés de fechar as portas para candidatos com mais de 35, 40
anos de idade, as empresas deveriam dar aquele passo inicial. Claro, nós
sabemos que as corporações têm cofres que consideram
muito mais valiosos para guardar e proteger do que aqueles aos quais me
refiro.
Esse cofre corporativo pode até valer mais na ciranda financeira,
na apologia dos egos e no desfile de poderes.
Mas eu não tenho a menor dúvida de que esses ricos e blindados
cofres perdem de goleada quando os valores em jogo são a sensibilidade,
a fraternidade, o reconhecimento, o amor e o respeito ao ser humano.
Se estes valores de nada valem para uma sociedade, o que vale então?
Floriano Serra
é psicólogo, Diretor de Recursos Humanos e Qualidade de
Vida da APSEN Farmacêutica e presidente do IPAT
-Instituto Paulista de Análise Transacional.
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