As últimas décadas têm
proporcionado modificações revolucionárias na vida
do ser humano. Avanços tecnológicos que resultaram em maior
conforto e possibilitaram o acesso entre os lugares, através dos
meios de transporte e a comunicação. Eletrodomésticos
a preços acessíveis, entre outros. Contudo, nota-se, em
particular, uma transformação expressiva, uma vez que se
trata de gênero: o feminino.
Com as conquistas realizadas pela mulher
na vida profissional, houve uma enorme modificação quanto
as ocupações de vaga de trabalho e posição
hierárquica dentro das organizações. Onde existiam
apenas homens anteriormente, hoje se encontram mulheres disputando e executando
diversas atividades. Isto aconteceu a duras penas, com muito sacrifício.
Transpor as barreiras machistas - e ainda existem várias - não
foi tarefa fácil. A luta tem valido a pena e serve de estímulo
para continuar a trajetória desta evolução.
Todavia, para tudo nesta vida, há que se pagar um preço.
Em nosso conhecimento comum é sabido sobre a importância
da figura materna na criação dos filhos, é próprio
da natureza. O papel fundamental da mãe para com a sua criança
nos primeiros anos de vida, período em que ocorre a estruturação
da personalidade infantil. Também importante é o papel do
pai, com o seu amor e a inserção dos limites alguns anos
depois. Vários aspectos são construídos neste rico
período, tais como as relações afetivas e o processo
de educação. Elementos fundamentais para o porvir, na vida
adulta da criança. Sem eles, torna-se precária a formação.
Aprende-se no contato diário, no relacionamento comum.
Portanto, se somente pela quantidade e qualidade de convívio é
possível se constituir uma boa formação de afetos
e educação, que servirão de modelo e hábito
para o resto da vida, e as pessoas que cuidam das crianças encontram-se
trabalhando, ou seja, longe deste contato necessário, o que resulta
disso?
A esta pergunta, pondera-se sob diversos ângulos, levando a algumas
reflexões que podem servir de base a constantes questionamentos
acerca dos problemas observados com o passar dos anos, repetindo-se e
aumentando a estatística das dificuldades nos relacionamentos humanos.
Exemplos comuns a respeito deste convívio familiar insuficiente
são a precária formação afetiva, resultando
em algumas dificuldades conjugais na vida adulta da criança. Uma
vez que ela não formou este tipo de relacionamento em seu período
de estruturação, encontra enorme obstáculo em oferecer
algo que não possui, pelo menos o suficiente. Leva o casamento
a um grau de frieza e decorrente distanciamento, ocasionando em alguns
casos a separação. Outro fato é o comportamento conseqüente
da falta de educação em muitos lares. Pouco convívio,
baixa construção educacional e de valores. Soma-se isto
à falsa idéia de que limites traumatizam e pesam mais do
que as regras, e então, vê-se uma tremenda falta de educação
por todos os lados.
Estas considerações que enraízam alguns dos problemas
de relacionamento humano fazem voltar a atenção novamente
para a evolução feminina, e é possível advogar
na defesa daquilo que já foi conquistado: a independência,
sem radicalizar através da opção involutiva, e ademais,
seria impossível retroceder pela própria natureza das progressões.
Busca-se, então, uma alternativa de equilíbrio, a justa
medida.
Para trazer este novo dado às dificuldades existentes, faz-se necessária
a contextualização política e econômica da
época em que vivemos. Ou seja, com tanto desemprego existente,
medo freqüente de entrar em contato com a miséria (esta, tão
bem expressa pela mídia diariamente), a necessidade de se aumentar
a carga horária de trabalho para criar maior rendimento, que cada
vez mais, alcança menos, pergunta-se: Como tratar da questão
da quantidade e qualidade do convívio familiar? Soa como um absurdo,
mas não o é!
O ser humano, em seu caos social, ver-se-á obrigado a modificar
os rumos e estabelecer novas medidas para atender a reorganização
que deverá ocorrer dentro de algum tempo: a redistribuição
de carga horária na vida profissional. Esta proposta é amplamente
descrita por pensadores como Domenico De Masi, pensador italiano contemporâneo,
que sugere a distribuição do trabalho em períodos
de quatro horas diárias para cada profissional, aumentando o número
de vagas e abrindo as portas para tantos desempregados. Isto gerará
maior tempo disponível para as pessoas, que poderão usufruir
conforme o seu interesse. Inclui-se aqui, o precioso tempo necessário
às relações familiares de base; aquelas da formação
no período infantil. Maior quantidade e qualidade no convívio,
ampliando as chances de uma boa estruturação da personalidade
para uma vida posterior melhor. E isto, sem ser preciso lançar
mão de artifícios radicais, contando com o bom senso e a
inevitável reorganização social.
Não é um empreendimento fácil. Muita discussão
deverá acontecer até que os primeiros passos sejam dados
nesta direção. Refletir desde já a respeito pode
colaborar ainda mais, viabilizando o lado preventivo da questão,
e não permitindo que se chegue ao limite insuportável, como
ocorrem as grandes mudanças, via de regra.
Sabe-se que muitas mães expressam claramente o desejo de dispor
de tempo para se dedicar as suas famílias. E que a falta de perspectiva
em transformações neste campo levam à ansiedade e
frustração a respeito do futuro.
Outra reflexão, ainda importante, é sobre a qualidade de
vida e do trabalho doravante. Que profissionais as organizações
terão sob o seu teto? Pessoas cada vez mais estressadas pela desenfreada
corrida por horas a mais no trabalho? Que gastos, privados e governamentais,
suportarão a demanda por tratamentos, cada vez maiores, para as
doenças que têm consumido a saúde do ser humano? Quem
suportará o crescimento dos filhos, observando a instalação
gradativa de doenças até então de adultos, por conta
do frenesi das horas e dos péssimos hábitos facilmente adquiridos?
Hoje a criação é distante, fugindo ao importante
convívio do significado do termo família, do grego: famulo,
que quer dizer servo, aquele que serve. Servir é a base. É
preciso estar disponível.
Quem sabe, em breve ocorram as transformações essenciais
para que o ser humano continue a sua evolução, pagando o
preço justo por ela, e não a pesada taxa que o consome.
É pela reflexão constante, vontade e atitude que se tornará
possível contribuir, individualmente para o conjunto familiar,
formando assim, uma comunidade melhor. Repensar é olhar os fatos
atuais, as possibilidades e o resultado entre ambos.
Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo, consultor, conferencista e escritor. É mestrando em Liderança. Desenvolve treinamentos organizacionais e palestras com Psicologia Preventiva e eventos educacionais.
E-mail: selfpsicologia@mogi.com.br
Publicado no Portal da Família em 10/07/2004 |
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