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A propósito do aborto Dr. Luíz Flávio Borges D'Urso |
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Recentemente (1997) foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Projeto de Lei n. 20-A, de autoria do Deputado Eduardo Jorge, que pretende regulamentar a prática do aborto legal no Brasil, determinando que toda a rede pública de hospitais, atendam aquelas mulheres que desejarem realizar o aborto que a lei permite. Vale salientar, mais uma vez, que o legislador brasileiro, entendeu proibir a prática do aborto, considerando-o como um crime contra a vida (arts. 124 a 127 do Código Penal), todavia, esse mesmo legislador, excepcionou dois casos de aborto, nos quais deixa-se de punir o agente, quando houver risco de vida para a mãe, ou quando a gravidez for resultado de estupro (art. 128, I e II CP). Não custa esclarecer que o estupro é crime hediondo, previsto na lei brasileira e consiste em constranger mulher, à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça (art. 214 CP). Neste cenário, onde se pretendia discutir a regulamentação das formas de aborto que o legislador não pune, o aborto necessário - para salvar a mãe e o aborto resultante de estupro, estabeleceu-se, mais uma vez, por força da mídia, a discussão sobre a possibilidade da legalização do aborto genericamente. É sobre esse enfoque que pretendo enfrentar tema tão delicado. Primeiramente, tenta-se definir o que seja o aborto (tecnicamente o abortamento), que enseja, segundo o Professor Damásio de Jesus, a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto, vale dizer, com a destruição do produto da concepção. Outro desafio, que supedaneará todo o raciocínio, é o momento inicial da vida humana, que segundo critérios científicos, inclusive corroborados pelo Conselho da Europa, leva-nos a entender tal momento como o da concepção, ou o momento no qual o óvulo é penetrado pelo espermatozóide. Assim, a partir desse instante, há vida humana e outra criatura se inicia. Ora, se o abortamento é eliminar a vida que se inicia, estamos diante de uma outra modalidade de homicídio, e se por instinto de preservação temos que preservar a vida, há que se proteger também esta, o feto, que jamais se confundirá com o corpo da mãe. Daí, não se admitir a premissa abortista, de que a mulher tem direito de dispor do próprio corpo. Inegável que qualquer um, homem ou mulher, poderá dispor de SEU próprio corpo, mas não poderá dispor de outro corpo, de outro ser, objetivando eliminá-lo, porquanto não é seu corpo, seu apêndice, seu órgão, mas um sistema independente, todavia, não autônomo, que, por força da natureza, utiliza-se do útero da mulher, temporariamente, para se aperfeiçoar, pois desde o primeiro momento, ele é. Outro argumento muito explorado é que realizam-se milhares de abortos clandestinos, levando risco de vida, àquelas mulheres, que face a ilegalidade, submetem-se à curiosos sem técnica, sem condições mínimas de higiene, a fim de interromper sua gravidez. Esse argumento foi desmentido pelos países que legalizaram o aborto, pois, lastreados nessa razão, surpreenderam-se, ao depois da legalização, quando constataram que as clínicas clandestinas não desapareceram, verificando-se que a clandestinidade não é resultante da lei, mas muito mais, da própria condição psíquica de algumas mulheres que abortam, pois preferem, apesar da legalidade - naqueles países, manterem o anonimato. Dessa realidade, verificou-se a permanência dos abortos clandestinos e todos seus riscos e ao lado, um aumento dos casos de aborto, porquanto, legalizado, autorizado, nada estava a impedir o aborto por ímpeto, por egoísmo, por qualquer motivo revelador se uma simples "vontade". Esse fenômeno é estudado pelo Professor Maurizio Mori, italiano, bioeticista e filósofo, na obra "A Moralidade do Aborto", quando comenta os vários argumentos de ambos os lados da questão, lembrando o efeito psicológio que a legalização do aborto provocaria, quando fala "...considerando que a lei tem uma importante função pedagógica, pois as pessoas são levadas a considerar como justo o que é permitido juridicamente, uma legislação permissiva sobre o aborto seria intolerável porque deformaria as consciências, em particular as dos jovens". Tal distinção entre o justo e o legal, entre o moral e o jurídico, embaralha-se, fazendo crer que uma vez legalizado o aborto, sob qualquer pretexto, poderá realizar-se um, em total desprezo à vida consistente naquele feto. Aliás, pela proteção dada pelo nosso legislador constituinte (art. 5. da Constituição Federal), à inviolabilidade da vida, nenhuma diferença pode haver, nas vidas da mãe ou do feto, porquanto ambas são merecedoras da proteção da lei, ambas são alvo dessa preservação constitucional, estando no mesmo patamar. Daí, absolutamente estrábico o enfoque da proteção exclusiva da vida da mãe. Pois se assim não fosse, estaríamos diante de uma violação ao princípio de igualdade entre humanos. O direito à vida deve ser garantido à todos e de forma igual. Apenas para registrar, não se admite aqui, a vida humana tendo início a partir da nidação, ou seja, a partir do momento no qual o ovo aninha-se na parede uterina, mas, como já ressaltado, a partir da concepção. Se assim não fosse, haveria um lapso temporal, no qual não existiria vida e portanto poder-se-ia interromper tal início de gravidez. Ao contrário, não há intervalo temporal, após a união óvulo e espermatozóide, portanto após vida humana, que possibilite justificar o aborto. Portanto estamos diante de duas ordens de dados, segundo ainda o Professor Maurizio Mori, a primeira diz respeito à formação do embrião, citando "Chi è persona? Persona umana e bioetica?", (La Civiltà Cattolica, 1992, IV, caderno n. 3.420, p. 557) e esclarece que "desde que o óvulo e o espermatozóide interagem entre si, começa imediatamente um novo sistema, que opera como uma nova unidade, determinada intrinsecamente e que tem seu centro biológico, ou estrutura coordenada, no novo genoma". A outra diz respeito ao desenvolvimento do embrião, que apresenta três características: coordenação, continuidade e gradualidade do processo. Dessa forma, verifica-se que um novo sistema inicia seu ciclo de vida próprio, pois o embrião é pessoa desde a concepção e segue tal ciclo, ininterruptamente. Por derradeiro, tenho observado um argumento dos abortistas, que merece foco, quando alegam que jamais uma mulher fará um aborto por vontade própria, desnecessariamente, tentando fazer crer que a legalização do aborto estará limitada aos casos que a lei atual não pune e a outros restritivamente. Não posso admitir tal argumento, conhecendo a natureza humana, principalmente quando a mídia revela a frieza de algumas mulheres que chegaram a jogar seu filho, recém-nascido, no lixo. Para estas, o aborto legal será mais um estímulo à irresponsabilidade materna. Trabalho recente de um aluno, advogava a legalização do aborto eugênico, admitindo que, toda vez que fosse detectada alguma anomalia física no feto, estar-se-ia, automaticamente, autorizado o aborto. Ocorre que o trabalho não limitou - talvez porque fosse impossível, quais casos em que a anomalia merecesse a eliminação do anormal, vale perguntar, qual o grau de anomalia?, a ausência de cérebro, a ausência dos membros, a deformidade estética ou a ausência de um dedo? Vislumbro nessa tese um grande risco, de se admitir, autruísticamente, que o aborto será o que de melhor pode dar a sociedade para aquele ser que, por não o entendermos, eliminamos. Certamente dá menos trabalho! Não poderia encerrar, sem insistir que o tema aborto é precedido por outros temas tão importantes, tais como a paternidade responsável e a responsabilidade do Estado em levar informação à população, objetivando a prevenção da gravidez. Registro posição em resistir
às tentativas de se legalizar o aborto no Brasil, cobrando de nossos
parlamentares a coerência em defesa da vida, pois quem é
contra a pena de morte, contra a eutanásia, contra o suicídio
assistido, não pode posicionar-se a favor da eliminação
da vida pelo aborto. Luíz Flávio Borges D'Urso é advogado criminalista, professor de Direito Penal, mestre e doutorando em Direito Penal pela USP, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRAC), presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM), Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP). Fonte: D'URSO, Luíz Flávio Borges. A propósito do aborto . Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 28, fev. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=982>. Acesso em: 14 jul. 2004. |
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