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Ines Rodrigues

Coluna "Do lado de cá"

Curry

Inês Rodrigues
ines_rodrigues@hotmail.com


Seis horas da tarde em ponto. Luis Bemvindo entra no metrô e começa a ler um jornal, distribuído de graça nas estações. Sentiu logo o suor escorrer-lhe pelas costas, tão forte era o aquecimento no vagão. Depois do trabalho, ele rumava para o quarto alugado em Shepherd's Bush, mas não tinha muita vontade de voltar para lá.

Não, não havia nada de errado com o quarto. O que incomodava era o cheiro constante de curry e frango frito flutuando pela casa. Seus donos eram indianos e pareciam cozinhar a mesma refeição todos os dias. Ao lembrar-se do odor que lhe dava enjôos, Bemvindo cheirou a manga do pulôver para checar se carregava-o consigo, tinha essa impressão. Depois, olhou em volta para ver se alguém notara o gesto não muito educado. Mas, ainda bem, ninguém percebeu.

Ele viu o anúncio do quarto para alugar numa revista emprestada pelo amigo que o hospedara ao chegar. Uma gentil maneira de dizer "vê se sai logo da minha casa". Assim ele entendeu o gesto. E foi procurar acomodação. A zona era boa, central, com metrô na porta e aluguel astronômico, quinhentas libras por mês. Mas o emprego no quiosque de amendoim torrado estava garantido e as economias dariam para uns seis meses de aluguel. Depois, pensaria no próximo passo. Apesar do cheiro da casa, os donos eram bem simpáticos.

Rohini, uma senhora hiperativa, rosto firme para seus mais de 60 anos, usava saris o tempo todo. E eles pareciam ter todos a mesma cor do curry que ela tanto gostava de comer. O marido, mecânico aposentado, matava o tempo com dezenas de pequenos serviços que encontrava por fazer no casarão. Ele era fanático por ferramentas, eletrodomésticos velhos e um tal de DIY. Depois de alguns dias, Bemvindo foi descobrir o significado: "Do It Yourself", ou "Faça Você Mesmo", algo tão popular neste país quanto comida indiana. Há lojas de departamentos inteiras dedicadas a vender ferramentas, manuais, tintas, massinhas, tábuas e parafusos. Com paciência, Bemvindo imaginava, alguém poderia construir e decorar a própria casa sem contratar um único técnico. "E isso deve custar os olhos da cara", pensou. "Talvez por isso o seu Mizir conserta tudo sozinho".

Mas, certamente, ele nunca percorreria os infinitos corredores de uma loja de DIY. Ele não ficaria na Inglaterra por tanto tempo. A estadia era só uma experiência de estudante e uma forma de juntar um dinheiro. Depois, voltaria correndo para a cidadezinha do interior do Paraná, onde a família e um bom churrasco o esperavam de braços abertos. Longe do frio deprimente, do metrô de multidões assustadoras, da língua que lhe seria sempre estranha, quase hostil.

O velho Mizir lhe perguntava sobre seus planos, e aconselhava-o a fazer um curso ou uma faculdade na Inglaterra:

- Se você tiver estudo aqui nunca lhe faltará um bom emprego.

Não adiantava dizer a ele que sua estadia era só temporária, que não lhe interessava integrar-se à já tão colorida tapeçaria inglesa das raças e credos.

- "Não se iluda, menino", retrucou seu Mizir. "Quando eu aqui cheguei, e isso já faz 32 anos, resolvi não comprar nenhum aparelho elétrico: eles eram caros e eu não queria levá-los de volta para a Índia, onde não serviriam para nada. Improvisava aqui e ali, usava vassoura ao invés de aspirador para não empregar numa inutilidade o dinheiro que eu juntava para a volta definitiva. Resisti o quanto pude. Quando completei dez anos aqui, comecei a entender que já não era mais o mesmo rapazote de Bombaim que desembarcara com a mochila nas costas e a sede de aventura. No dia seguinte, comprei uma chaleira elétrica. E não parei mais".

Bemvindo subiu para o quarto, confuso. Olhou o papel de parede florido, o carpete rosado, o aquecedor gigantesco junto à janela. Lembrou-se: naquela tarde pensara em comprar um rádio para ouvir música antes de dormir. Assim estaria mais confortável, daria até para esquecer o cheiro de curry que vinha da cozinha.



Inês Rodrigues é jornalista, tradutora e mãe de dois filhos. Atuou nas editorias de artes e música em diversos veículos da imprensa brasileira como Jornal da Tarde, Editora Globo, Rádio Gazeta e Fundação Padre Anchieta. Há 6 anos fora do Brasil, já viveu na Itália e Inglaterra, e atualmente mora em Nova York.

e-mail: ines_rodrigues@hotmail.com

 


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