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Coluna "Por dentro da dança"
De dança e de Brasil: quando o social cumpre seu papel

Eliana Caminada

Senhores leitores, envio-lhes dois artigos que talvez possam lhes causar alguma estranheza. Alguns poderão se perguntar: Por que esses artigos? A quem eles se referem?

Pode parecer alguma conversa pouco afinada - parafraseando o título do ótimo programa sobre música da TVE do Rio. Seria matéria pouco oportuna? Oportunista? Seria gratuita? Ou matéria paga? Ou ainda, Deus do céu, um tipo menos reconhecível de delírio por parte da autora?

Não! Nada disso! Esses artigos, publicados à revelia das companheiras mencionadas, apenas tentam conferir visibilidade a duas idealistas mulheres de dança; tentam, quem sabe, transpor suas defesas fechadas, tornar públicas realizações que a timidez e o sistema deixam quase no anonimato.

Para que?

Ora, um trabalho como o que elas constroem não pode e não deve continuar desconhecido, fechado em si mesmo, atingindo, portanto, um universo muito menor do que merece. Diante de profissionais e seres humanos como Maria Lúcia Galvão Souza e Vera Lopes, ambas pedagogas e artistas da dança, coreógrafas mesmo, não apenas defensoras de teses que não conseguem transpor a palavra e expressar-se através do corpo, matéria-prima da dança, há que divulgar o que fazem, o que salvam, o que educam, até como fonte de inspiração para muitos de nós, brasileiros que cremos no Brasil, ou como recurso pessoal, confesso, para continuar a ter esperança.

Eis os artigos:

Sons dançados do Brasil

Mário de Andrade dizia:
"O natural da mocidade é crer
e muitos moços não crêem."

Elas crêem, e o fazem com todas as suas forças e inabalável confiança, apoiadas numa disponibilidade absolutamente incomum, inquestionável competência e muito, muito talento artístico. Quem pretender segui-las terá que se munir de grande dose da mesma crença na vida, na criança brasileira, nesse país tropical, em brasa, Brasil, tostado pelo sol e pelo calor.

Estou falando de companheiras com quem tenho tido a honra de partilhar experiências vividas com a dança e com a arte, em geral.

Cúmplices na convicção de poder contribuir, de forma significativa, para a construção da auto-estima, salvação da inocência, desenvolvimento da sensibilidade e conhecimento do corpo dos meninos e meninas com os quais trabalham, abençoados sim, por encontrarem-nas no seu caminho, há anos elas preparam e apresentam, na grande tribuna que é o palco de um teatro, o resultado do trabalho que juntas, elas e as crianças, conseguem transformar em espetáculo de dança cênica.

Porque preserva o homem para ele mesmo; porque insere o acorde de um país na melodia criada pela humanidade há milênios; porque é um bem democrático que ignora preconceitos, permite o compartilhar, o dividir para multiplicar; porque enquanto instrumento para tentar atingir a perfeição pessoal coloca os que atendem a seu apelo na posse dos bens da cultura sensível e da aperfeiçoada percepção da natureza, elas têm convicção de que a Arte é salvadora; e investem nela franca, ousada e resolutamente.

Nesse ano de 2003, com o Grupo de Danças do Centro de Artes Calouste Gulbenkian da Prefeitura do Rio de Janeiro, Lúcia e Vera ofereceram, em "Sons dançados do Brasil", cores, sons, danças e mitos do nosso país. Muito mais: apresentaram a fé no sonho, na realização da grande utopia de acreditar no Brasil como nação mestiça, imensa, rica e, quem sabe, um dia, generosa com seu povo.

Eliana Caminada
Rio, novembro de 2003

 

Marias, Verdades, Poetas - a Dança e a Lua

"Mamãe!
Me dá essa lua
Ser esquecido e ignorado
Como esses nomes de rua!"

S. Paulo, 17-II-45
Mário de Andrade em carta a Murilo Miranda

É inevitável! Quando falo de Maria Lúcia Galvão e Vera Lopes, fatalmente me lembro da figura paradigmática de Mário de Andrade.

Por tudo! Pela competência, pela integridade de suas personalidades, pela generosidade quase utópica de suas idéias, pelo profundo amor à Pátria brasileira; pelo encantamento e identificação com nosso povo, seus ritmos, danças, cores, sons, festas e formas de expressão.

Como ele, ambas são conscientes de que nasceram e de que vivem num país pleno de luminosidade e calor, de contrastes violentos, de necessidade vital de identificação com seus signos e símbolos.

Como ele - creio eu -, elas pedem uma lua. Porque, como artistas - elas e Mário -, sabem que a lua, bela e enigmática, com suas múltiplas formas, sempre inspirou muitas danças, muitos cantos; e que onde existe muita luz total, como no nosso País, se instala a carência emergencial da magia da sombra. Não como meio de enganar, de corromper, de esconder o não permissível, mas fazendo uso dessa luz mais sutil, que ilude - hypokritès = ator = aquele que finge -, que se incorpora, também ela, a sombra, como elemento essencial da grande encenação da vida: a Arte.

"... Sol! pelo amor de Deus
Não venha agora
Que a morena
Vai logo embora."

Feitiço da Vila
Noel Rosa

Igualmente, como Mário, elas parecem desejar ser ignoradas em seu trabalho tenaz, solitário, anônimo. Buscam, como o poeta, talvez algo mais profundo e essencial, um bem maior, mais puro, ao qual parece incomodar os títulos, cargos, votos, fama; é silenciosamente que elas agem, que elas concorrem, efetivamente, para o desenvolvimento de jovens, crianças ou adolescentes, oriundos de todas as classes, nem sempre amparados pela sociedade distorcida que edificamos, ou pelos nossos poderes público e privado, todos - sociedade e poderes - distantes de suas carências, aspirações e, sobretudo, sensibilidade.

"Luar! Espere um pouco
Que é pra todo mundo saber
Que a noite é criança
Que o samba é menino
Que a dor é tão velha que pode morrer..."

Olé, olá
Chico Buarque de Holanda

Esquecidas! é, do verso de Mário, a única palavra que não lhes cabe; porque não há como passar por elas sem ficar com a alma tatuada pelos seus rostos humanos, expressivos, amorosos. Como não registrar, para sempre, essas brasileiras que jamais recuaram diante do desafio de exercer de forma ética e moral o duplo ofício - de pedagogas e de artistas cênicas - que as escolheu e que elas, apaixonada e reverentemente abraçaram? Lúcia e Vera - Maria e Verdade - são mulheres que sonham; sonhando assumem responsabilidades, favorecem, de forma quase missionária, a edificação de uma existência autêntica e verdadeira para os alunos-filhos que vão passando pelas suas vidas.

Maria Lúcia e Vera, como Mário, estão comprometidas com a Arte, sabem que se existe eternidade na vida é na Arte que ela se manifesta, se Deus está em nós é através dela que expressamos sua essência. Pelo bem de nossa gente, usam a Arte como instrumento de manifestação do amor que habita seus enormes corações.

Que mais se pode falar delas?


Eliana Caminada

Rio, novembro de 2004



Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".
Ela também edita o site www.elianacaminada.net

e-mail: e.caminada@gmail.com

 

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