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DA ARTE DE BRINCAR...

Mannoun Chimelli



Numa crônica já antiga, Carlos Eduardo Novaes conta a aflição dos pais de Paulinho, olhados como seres inferiores por todos os vizinhos: afinal, todas as crianças do prédio desenvolviam mil e uma atividades, enquanto Paulinho, aos 6 anos, ia à escola e brincava! A situação acaba tornando-se insustentável, e os pais resolvem tomar providências...

E o autor vai descrevendo, entre uma e outra peripécia, a via-crucis de Paulinho. Enquanto os pais não o fazem ultrapassar as atividades dos demais meninos do prédio, não o deixam em paz: é a natação (afinal, se ele tem medo, é por aí que deve começar, para vencer-se enquanto pequeno!), é a ginástica olímpica, artes, inglês, judô, francês, terapeuta, logopedista, aparelho nos dentes... Por fim, hipismo, karatê e sapateado completam a longa lista das atividades, para as quais o pequeno até precisa usar agenda. Com tudo isso, Paulinho amadureceu "de véspera". Consultado por um parente, no seu aniversário, sobre o que desejava ser quando crescesse, respondeu imediatamente: - "Criança!"

Enfim, tornou-se adulto. Paulão, já formado economista, pós-graduado, intelectual, casa-se. Agora pode enfim libertar-se da escravidão competitiva familiar. E, trancado em seu escritório particular, pode finalmente realizar o seu grande sonho... brincar de trenzinho [1]. Não nos lembra isto alguma coisa que nós próprios conhecemos?

Muitos pais têm, hoje, essa preocupação de colocar os filhos ainda pequeninos em escolas especializadas, de acelerar os processos pedagógicos, fazendo com que as crianças aprendam a ler já aos três anos, desenvolvam aptidões latentes em tempo "record", levem a cabo um sem-número de atividades corretas em si mesmas, porém precoces. Pensam que assim estão estimulando a formação ou a descoberta de mini-gênios.

Se isto tornasse as crianças e a humanidade mais felizes, valeria a pena. O que se nota, porém, nas crianças submetidas a tais métodos avançados - ditos "pedagógicos" -, é que, ao entrarem em contato com outras crianças que freqüentam escolas comuns, em festas, aniversários, reuniões familiares ou parques e jardins, aquelas que têm o seu processo pedagógico artificialmente acelerado destoam, não conseguem comunicar-se com as outras; a sua "linguagem" não é compreendida e, em conseqüência, isolam-se, tornam-se arredias e tristes. Não tiveram tempo para brincar, para viver.

É verdade que, dentro da classe média, já são tantas as crianças ocupadas em múltiplas atividades que "as outras" é que começam a destoar. Não se trata,
é evidente, de reter os filhos em casa o tempo todo, de prendê-los ou de impedi-los de fazer o que fazem os seus colegas. O que vale a pena, isto sim, é deixar tempo aos filhos, sem pressões induzidas pelo ambiente, permitindo que as coisas aconteçam no seu devido tempo. Se eles, espontânea e individualmente, se mostram desejosos de aprender mais depressa e ávidos de conhecer coisas novas, então, sim, é a ocasião de oferecer-lhes ajuda. Mas não compete aos adultos, de "cima para baixo" ou de fora para dentro, precipitar ou acelerar um processo cujas etapas devem ser percorridas paulatinamente, uma a uma. O tempo pessoal, aquele que distingue um ser humano de outro, e que constitui a essência da sua personalidade, não pode sofrer violências, ter "etapas queimadas", como em geral se diz.

Não mudou, nem mesmo neste final de século, a necessidade imperiosa, diria vital, que as crianças têm de brincar. E brincar com os brinquedos e brincadeiras de sempre, os básicos - as meninas, com as suas bonecas e panelinhas; os meninos, com a bola e as pipas; e, ambos, com figurinhas... Uma criança pode tornar-se um adulto triste, até irresponsável, se tiver sempre ocupações e nenhum tempo para brincar [2].

Paciência, pais! É de profunda sabedoria entender que para tudo há um tempo debaixo do sol... Deixem as crianças recrear-se, vivenciar passo a passo a sua idade, para que não venham um dia a sentir saudades do que não puderam viver.

Regra de ouro: Deixar brincar!


Fonte: livro "Gastando tempo com os filhos", Mannoun Chimelli, Quadrante, São Paulo, 1993 - pp. 9-11

 

[1] Carlos Eduardo Novaes, Essas mães maravilhosas e suas máquinas infantis, Jornal do Brasil, 20-III-1983;

[2] cf. Constance J. Foster, Desenvolvendo a responsabilidade na criança, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1964, pág. 26.

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