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Floriano Serra

Coluna "Comportamento & Qualidade de vida no trabalho"
POR QUE VOCÊ TRABALHA?

Floriano Serra

Acredito firmemente na possibilidade de um profissional dirigir-se diariamente ao seu trabalho com motivação e disposição - desde que tenha descoberto um verdadeiro e digno sentido para ele e para os momentos que o compõem.

Um amigo meu defende a posição de que, se perguntássemos a cada trabalhador, independente do nível hierárquico: "por que você trabalha?", a resposta seria unânime: "porque preciso ganhar dinheiro". Eu tenho dúvidas sobre essa unanimidade e, por isso, gostaria de propor algumas reflexões sobre a questão.

Em algum lugar li ou ouvi que hoje as pessoas vivem a "síndrome da pressa". Todos correm para algum lugar. A mim, me parece que correm para lugar algum. Uma pessoa sai de casa para assistir a um filme ou peça de teatro. E a sua ansiedade em chegar lá é tanta que sai pelas ruas correndo feito um louco, tentando atalhos, ultrapassando quem estiver mais lento, às vezes arriscando cruzar um farol vermelho... Chega suado, esbaforido e, por tentar burlar a fila de ingressos, ainda arruma uma discussão aqui, um bate-boca ali...

Eu fico me perguntando o seguinte: por melhor que seja o filme ou a peça à qual finalmente ele assistirá, terá valido a pena o esforço excessivo, os riscos e os desgastes físicos e emocionais?

Acho que essa "síndrome da pressa" está existindo porque muita gente anda confundindo ou não percebendo o verdadeiro sentido dos momentos que constituem a Vida.

A vida - e aqui falo no sentido mais amplo possível - é constituída por uma série de eventos que se sucedem e se completam. Não se vive a vida aos solavancos nem em capítulos. Não se pode "pular" um pedaço do "filme" da vida, como fazemos às vezes com os DVDs. Não há um "controle remoto existencial" e portanto, não dá para se acelerar o ritmo natural das coisas. Vive-se a vida em absoluta e rigorosa seqüência, constituída de momentos contínuos.

Ora, se uma pessoa sai de casa para ir ao cinema, não pode pretender esquecer, desconsiderar ou apagar o tempo de duração e as condições do trajeto. É simples assim: sem vivenciar e concluir o trajeto, ninguém conseguirá chegar a lugar algum.

Justamente aqui chego ao "xis" da questão: se a pessoa terá que necessariamente conviver com esse momento do trajeto, por que deixar que ele se transforme num tormento, numa tortura, num aborrecimento? Por que não curti-lo de forma descontraída e divertida? Cada segundo, minuto, hora, centímetro, metro ou quilômetro que nos separam do "ponto de chegada" fazem parte da nossa vida, do nosso presente, da nossa história e não podem ser desprezados nem excluídos.

Inclusive, muitas vezes, com alguma sorte e criatividade, os trajetos da vida podem ser muito mais gratificantes e prazerosos que o destino inicial. A festa poderá ser chata, o filme, idem, a peça um fiasco, nosso time pode perder o jogo de goleada, pode desabar o maior toró na praia, mas nada disso nos aborrecerá se, por exemplo, ao longo do trajeto, tivermos tido uma excelente companhia, uma pessoa amiga, agradável, divertida, sensível e inteligente. Ou se tivermos tido a oportunidade de conhecer lugares lindos, interessantes, originais, aconchegantes e que até então não havíamos percebido.

De repente, o espetáculo principal pode virar mero "pano de fundo" para um espetáculo mais maravilhoso ainda. Quem não já passou por situação semelhante? Quem não já ouviu alguém comentar: "olha, a viagem teria sido um enorme fracasso se não fosse pelo fato de que fiz novas e maravilhosas amizades!..."

Ou seja: por alguma razão, seu passeio adquiriu novo e positivo sentido. Isso pode acontecer com você, se você se mantiver receptivo e atento ao que acontece à sua volta, às oportunidades inesperadas que a vida pode lhe proporcionar. Se você souber e quiser dar ao seu trajeto um sentido também de descobertas, divertimento e prazer - ao invés de ficar obcecado em atingir o "ponto de chegada".

Agora está na hora de falar de trabalho e já vou direto ao assunto.

Se vocês entenderam bem minha analogia do "trajeto", então permitam-me propor: por que não considerar o trabalho diário como um dos grandes trajetos da sua vida? Nesta proposta, o "ponto de chegada" se chama realização. E o percurso pelas ruas, avenidas, no ônibus ou no metrô e tudo o mais, é o cotidiano profissional, o expediente diário. A diferença é que este trajeto existencial, ao contrário do outro, tem um tempo de duração maior. Este trajeto não acaba no fim da tarde. Pode durar um ano, cinco, dez, vinte, trinta anos... Pode ir até à aposentadoria.

Pois muito bem, agora reflitamos: que sentido a vida de um individuo terá se ele se permitir que esse "trajeto" seja percorrido com angústias, temores, inseguranças, tristezas e ressentimentos? Por que não percorrê-lo com alegria, otimismo, entusiasmo, perseverança, sonhos? Claro, acidentes de percursos podem acontecer em qualquer dos dois "trajetos": um sujeito pode ser atropelado ao dirigir-se a um cinema ou pode ser demitido após seis meses de trabalho. Mas ninguém conta com isso, nem espera por isso, desde que esteja fazendo o melhor, com atenção e zelo.

Este é o ponto a que quero chegar: todo ser humano dispõe de livre arbítrio para agir como quiser, o que faz com que comportamento seja uma decisão pessoal. Se você gritar com um colega porque ele gritou consigo, ELE terá decidido por você como você deveria comportar-se e isso ninguém no mundo deve permitir que aconteça. Se um colega gritar consigo, VOCÊ decide o que fazer: pode gritar também ou pode calmamente afastar-se dele. Mas é VOCÊ quem decide. Dentro dessa ótica, você também decidirá se vai passar o dia inteiro reclamando, de mau humor - ou entusiasmadamente buscando e propondo soluções e melhorias. É você quem decide.

Não existem empresas, chefes, nem funcionários perfeitos - porque a base de tudo é o ser humano e este, por essência e natureza, é imperfeito. Portanto, crises e conflitos interpessoais - com ou sem gritos - há onde existirem a partir de duas criaturas. Mas quem souber utilizar corretamente o livre arbítrio, o bom senso, a paciência, a autonomia sobre seu próprio comportamento e a habilidade de descobrir o lado bom, positivo e divertido do trabalho, dando-lhe um novo e digno sentido, poderá cumprir todo o "trajeto" de forma a manter inabalável seu bem estar. E assim trabalhará com gosto, porque cada dia será um passo adiante no "grande trajeto", que é a própria carreira e a própria vida.

Acredito firmemente na possibilidade de um profissional dirigir-se diariamente ao seu local de trabalho com motivação e disposição. Porque ele sabe que vai aprender, ensinar, encontrar amigos, sentir-se útil, superar obstáculos, vencer desafios, juntar-se a uma equipe que o admira - e porque sabe que tem possibilidade de vencer. E, claro, também porque vai ganhar dinheiro.

Quem quiser, poderá tornar este o verdadeiro sentido do seu trabalho ou dos momentos diários que o constituem. O que poderá promover significativas mudanças também no sentido da sua vida. Para melhor, acredite.



Floriano Serra é psicólogo, escritor e palestrante, autor de vários livros e artigos sobre o comportamento humano nas empresas. Foi diretor de Recursos Humanos em empresas nacionais e multinacionais, recebendo vários prêmios pela excelência em Gestão de Pessoas. É autor de uma dezena de livros, como "A Empresa Sorriso" e "A Terceira Inteligência", e mais de 200 artigos sobre o comportamento humano - pessoal e profissional, publicados em websites, jornais e revistas, inclusive no Exterior.
E-mail: florianoserra@terra.com.br


 

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