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Floriano Serra

Coluna "Comportamento & Qualidade de vida no trabalho"
O RELÓGIO DA VIDA NÃO ATRASA. NEM O DO TRABALHO

Floriano Serra

Incomoda pra caramba saber que nos trajetos do relógio da vida, exatamente como numa partida de futebol, nem sempre vence o melhor. Nem sempre vence o time que joga limpo, que tem mais talento, que respeita as regras do jogo.

Hoje resolvi escrever um artigo meio filosófico.

A idéia nasceu de uma conversa que tive semana passada com um querido amigo, que, a uma certa altura, me disse a primeira frase do titulo acima: "O relógio da vida não atrasa" e completou: "por que você não escreve um artigo sobre isso?".

Na verdade, nossa conversa girava em torno de planos e projetos pessoais e profissionais e na constatação de quantos deles nascem em meio a um universo de esperanças e motivações - e, depois de algum tempo, afundam lenta ou rapidamente no fracasso, causando decepção, dor e descrenças.

Numa divagação fantasiosa, imaginávamos o quanto seria bom se todos nós tivéssemos a certeza de que a realização de sonhos jamais se tornaria um pesadelo - e que nossos projetos de vida nos conduzissem sempre à felicidade. Porque se isso fosse possível, sempre que algo desse errado, poderíamos recomeçar de outra forma e tentar de novo.

Mas, sabemos, nem sempre é assim que as coisas funcionam.

A partir do instante em que os ponteiros do relógio da vida começam a se movimentar, as cartas estão jogadas e o que nos cabe fazer é lutar e torcer para que as coisas ocorram conforme o esperado. Sem angústias e ansiedades, pois tudo acontece no seu devido tempo. Neste sentido, o relógio da vida não atrasa.

Este conceito se aplica também ao mundo corporativo: observemos os negócios, os investimentos, as pequenas e grandes empresas: quantas dela faliram em pouco tempo de funcionamento? Ou quantas fracassaram somente após décadas de atividade? E quantas ainda sobrevivem há anos ou até há mais de um século? Cada uma teve ou terá o seu tempo e a sua hora.

Há algumas questões que o tema convida à reflexão, tanto com relação à vida pessoal como aos negócios:

  • Considerando-se, da maneira mais ampla possível, o ciclo "começo, meio e fim" - o que estamos fazendo durante todo o tempo do "meio"?
  • Em que estamos contribuímos para que esse "meio" seja percorrido de forma gratificante, saudável e feliz?
  • Em que estamos contribuindo para que esse "meio" dure o maior tempo possível?
  • Em que estamos contribuindo para que esse "meio" agregue aspectos unicamente positivos? Qual a qualidade na nossa vida ou do nosso negócio nessa fase? Qual o propósito ou o sentido de tudo isso, desde seu "início"?
  • Estamos agindo de forma a ter certeza de que tudo valerá a pena e de que estamos dando o nosso melhor para que o giro completo dos ponteiros do relógio da vida seja sido percorrido com mais vitórias, acertos e alegrias do que com derrotas, erros e tristezas?

Bom, o teor filosófico inicial deste artigo foi apenas um pretexto para meu habitual comentário sobre os comportamentos no mundo corporativo.

Sabe-se que toda empresa, para sobreviver, necessita de planos muito bem elaborados, com a melhor previsão possível de prazos, produção, vendas, lançamentos de novos produtos e serviços, investimentos. A cada início de ano fiscal, os ponteiros do relógio da vida iniciam seus movimentos.

Começar bem um trabalho ou um projeto é metade da garantia de que ele transcorrerá bem e que, muito provavelmente, terá boa conclusão - a meta do seu trabalho, o objetivo da sua área ou a missão da sua empresa.

O resultado será cobrado - seja pelos chefes, pelos acionistas ou pelos clientes. Essa hora vai chegar - e o relógio da vida profissional, da mesma forma que o relógio da vida pessoal, também não vai atrasar.

Nesse trajeto dos ponteiros, o que nos compete fazer é nos prover da maior quantidade possível de motivações, competências, conhecimentos e habilidades para que tenhamos um ótimo começo, um excelente meio e a quase garantia de um final feliz : o lucro da empresa ou a realização pessoal.

De um modo simplista, toda essa conversa pode ser comparada a uma partida de futebol: depois de iniciado o jogo, espera-se uma partida brilhante, disputada, movimentada, com passes e dribles criativos, sem violências, com muitos gols e tudo o mais que constitui uma ótima partida. O final vem depois de noventa minutos. Esse conceito simplificado aplica-se a uma tarefa cotidiana do trabalho, a uma cirurgia, a uma aula, a um casamento, a um ano fiscal, à vida inteira. Cada um com seu ritmo e tempo próprios.

Mas sabem o que incomoda?

É que em todos esses trajetos do relógio da vida, exatamente como numa partida de futebol, nem sempre vence o melhor. Nem sempre vence o time que joga limpo, que tem mais talento, que respeita as regras do jogo. Em muitos momentos e contextos da nossa cultura, o que tem valido é o placar final - que pode ser metaforicamente comparado ao saldo de uma conta bancária, a um cargo, ao lucro, à fama ou ao status social.

Isso incomoda pra caramba. Porque aí dá uma vontade danada de manipular os ponteiros do relógio e fazê-lo atrasar - ou melhor: retroceder. Para que, num máximo de utopia e sonho, pudéssemos começar do zero uma nova sociedade e um novo tipo de relações humanas muito mais justas, leais, generosas e harmoniosas.

Aí, certamente felicidade e ponteiros de relógio andariam lado a lado.



Floriano Serra é psicólogo, escritor e palestrante, autor de vários livros e artigos sobre o comportamento humano nas empresas. Foi diretor de Recursos Humanos em empresas nacionais e multinacionais, recebendo vários prêmios pela excelência em Gestão de Pessoas. É autor de uma dezena de livros, como "A Empresa Sorriso" e "A Terceira Inteligência", e mais de 200 artigos sobre o comportamento humano - pessoal e profissional, publicados em websites, jornais e revistas, inclusive no Exterior.
E-mail: florianoserra@terra.com.br


 

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