Incomoda pra caramba saber que nos trajetos do
relógio da vida, exatamente como numa partida de futebol,
nem sempre vence o melhor. Nem sempre vence o time que joga limpo,
que tem mais talento, que respeita as regras do jogo.
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Hoje resolvi escrever um artigo meio
filosófico.
A idéia nasceu de uma conversa que tive semana passada com um querido
amigo, que, a uma certa altura, me disse a primeira frase do titulo acima:
"O relógio da vida não atrasa" e completou:
"por que você não escreve um artigo sobre isso?".
Na verdade, nossa conversa girava em torno de planos e projetos pessoais
e profissionais e na constatação de quantos deles nascem
em meio a um universo de esperanças e motivações
- e, depois de algum tempo, afundam lenta ou rapidamente no fracasso,
causando decepção, dor e descrenças.
Numa divagação fantasiosa, imaginávamos o quanto
seria bom se todos nós tivéssemos a certeza de que a realização
de sonhos jamais se tornaria um pesadelo - e que nossos projetos de vida
nos conduzissem sempre à felicidade. Porque se isso fosse possível,
sempre que algo desse errado, poderíamos recomeçar de outra
forma e tentar de novo.
Mas, sabemos, nem sempre é assim que as coisas funcionam.
A partir do instante em que os ponteiros do relógio da vida começam
a se movimentar, as cartas estão jogadas e o que nos cabe fazer
é lutar e torcer para que as coisas ocorram conforme o esperado.
Sem angústias e ansiedades, pois tudo acontece no seu devido tempo.
Neste sentido, o relógio da vida não atrasa.
Este conceito se aplica também ao mundo corporativo: observemos
os negócios, os investimentos, as pequenas e grandes empresas:
quantas dela faliram em pouco tempo de funcionamento? Ou quantas fracassaram
somente após décadas de atividade? E quantas ainda sobrevivem
há anos ou até há mais de um século? Cada
uma teve ou terá o seu tempo e a sua hora.
Há algumas questões que o tema convida à reflexão,
tanto com relação à vida pessoal como aos negócios:
- Considerando-se, da maneira mais ampla possível, o ciclo "começo,
meio e fim" - o que estamos fazendo durante todo o tempo
do "meio"?
- Em que estamos contribuímos para que esse "meio"
seja percorrido de forma gratificante, saudável e feliz?
- Em que estamos contribuindo para que esse "meio"
dure o maior tempo possível?
- Em que estamos contribuindo para que esse "meio"
agregue aspectos unicamente positivos? Qual a qualidade na nossa vida
ou do nosso negócio nessa fase? Qual o propósito ou o
sentido de tudo isso, desde seu "início"?
- Estamos agindo de forma a ter certeza de que tudo valerá a
pena e de que estamos dando o nosso melhor para que o giro completo
dos ponteiros do relógio da vida seja sido percorrido com mais
vitórias, acertos e alegrias do que com derrotas, erros e tristezas?
Bom, o teor filosófico inicial deste artigo foi apenas um pretexto
para meu habitual comentário sobre os comportamentos no mundo corporativo.
Sabe-se que toda empresa, para sobreviver, necessita de planos muito bem
elaborados, com a melhor previsão possível de prazos, produção,
vendas, lançamentos de novos produtos e serviços, investimentos.
A cada início de ano fiscal, os ponteiros do relógio da
vida iniciam seus movimentos.
Começar bem um trabalho ou um projeto é metade da garantia
de que ele transcorrerá bem e que, muito provavelmente, terá
boa conclusão - a meta do seu trabalho, o objetivo da sua área
ou a missão da sua empresa.
O resultado será cobrado - seja pelos chefes, pelos acionistas
ou pelos clientes. Essa hora vai chegar - e o relógio da vida profissional,
da mesma forma que o relógio da vida pessoal, também não
vai atrasar.
Nesse trajeto dos ponteiros, o que nos compete fazer é nos prover
da maior quantidade possível de motivações, competências,
conhecimentos e habilidades para que tenhamos um ótimo começo,
um excelente meio e a quase garantia de um final feliz : o lucro da empresa
ou a realização pessoal.
De um modo simplista, toda essa conversa pode ser comparada a uma partida
de futebol: depois de iniciado o jogo, espera-se uma partida brilhante,
disputada, movimentada, com passes e dribles criativos, sem violências,
com muitos gols e tudo o mais que constitui uma ótima partida.
O final vem depois de noventa minutos. Esse conceito simplificado aplica-se
a uma tarefa cotidiana do trabalho, a uma cirurgia, a uma aula, a um casamento,
a um ano fiscal, à vida inteira. Cada um com seu ritmo e tempo
próprios.
Mas sabem o que incomoda?
É que em todos esses trajetos do relógio da vida, exatamente
como numa partida de futebol, nem sempre vence o melhor. Nem sempre vence
o time que joga limpo, que tem mais talento, que respeita as regras do
jogo. Em muitos momentos e contextos da nossa cultura, o que tem valido
é o placar final - que pode ser metaforicamente comparado ao saldo
de uma conta bancária, a um cargo, ao lucro, à fama ou ao
status social.
Isso incomoda pra caramba. Porque aí dá uma vontade danada
de manipular os ponteiros do relógio e fazê-lo atrasar -
ou melhor: retroceder. Para que, num máximo de utopia e sonho,
pudéssemos começar do zero uma nova sociedade e um novo
tipo de relações humanas muito mais justas, leais, generosas
e harmoniosas.
Aí, certamente felicidade e ponteiros de relógio andariam
lado a lado.
Floriano Serra é psicólogo, escritor e palestrante, autor de vários livros e artigos sobre o comportamento humano nas empresas. Foi diretor de Recursos Humanos em empresas nacionais e multinacionais, recebendo vários prêmios pela excelência em Gestão de Pessoas. É autor de uma dezena de livros, como "A Empresa Sorriso" e "A Terceira Inteligência", e mais de 200 artigos sobre o comportamento humano - pessoal e profissional, publicados em websites, jornais e revistas, inclusive no Exterior.
E-mail:
florianoserra@terra.com.br
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