logotipo Portal da Familia

Portal da Família
Início Família Pais Filhos Avós Cidadania
Vídeos Painel Notícias Links Vida Colunistas
 
Morangos com Fel - Rendição inevitável ou combate necessário?
Madalena Fontoura

O texto trata de uma novela de TV que é transmitida em Portugal, mas traz uma análise que seria muito adequadaà diversas novelas brasileiras.

«O realismo exige que, para observar um objeto de modo a conhecê-lo, o método não seja imaginado, pensado, organizado ou criado pelo sujeito, mas sim imposto pelo objeto» (Luigi Giussani, O Sentido Religioso). Sugiro que sigamos esta indicação para perceber o fenômeno "Morangos com Açúcar".

Trata-se de um produto televisivo, por isso tem um conjunto de ingredientes típicos: como tudo na televisão, ao contrário do que se possa pensar, não pretende ser realista, mas sim ser um espectáculo, e não pretende dar informações, mas sim provocar emoções. Porque é dirigido ao lazer, a sua técnica consiste em apelar à lógica generalizada do lazer, ou seja, distrair; prescindir de qualquer esforço, especialmente o de pensar, e manter, o maior tempo possível, acesa a instintividade.

Porque o público-alvo são adolescentes e pré-adolescentes (embora possa atrair também crianças), importa relembrar algumas características típicas destas idades. Os adolescentes experimentam a autonomia, mas ainda não sabem geri-la adequadamente; vivem um momento de explosão sensorial, sobretudo no que se refere a estímulos de natureza sexual; julgam-se invulneráveis a riscos, nomeadamente o de serem influenciados; estão descobrindo a capacidade de pensar logicamente, na qual se julgam independentes, mas não se apercebem de quanto assimilam e reproduzem chavões, que repetem julgando fazer afirmações de sua autoria.

Como formato, Morangos com Açúcar domina com maestria estes dois fatores: produto televisivo e público-alvo. É uma telenovela, com particular intensidade de apresentação, tirando partido da dificuldade do seu público de gerir autonomamente e de forma adequada o seu tempo livre. Também joga com o desejo de autonomia típico dos adolescentes, já que os protagonistas são representados por atores mais velhos do que as idades que querem retratar, dando a ideia de que aquela idade corresponde a uma maturidade maior do que a real.

Tem um grafismo e cenários apelativos e cria uma atmosfera fantasiosa, onde quase todos os ambientes do quotidiano (escola e casa) são muito modernos, como se o comum das famílias portuguesas, em vez de decorações clássicas, optasse pelo último grito do design.

Na aparência das pessoas, nas conversas que têm e nos problemas que se lhes colocam há uma sobre-estimulação da sensualidade, o que tem um forte apelo nestas idades, especialmente por despertar também uma emoção de transgressão e clandestinidade.

A superficialidade e o lugar-comum na abordagem dos temas aproveita a vulnerabilidade destas idades à assimilação de chavões, reforçando a tendência para a banalidade e pretensão de saber tudo.

Como conteúdo, o aspecto mais pernicioso parece-me ser o empobrecimento da ideia de adulto: os adultos de Morangos com Açúcar ou são pessoas censuráveis e não confiáveis; ou são antipáticos e distantes; ou são laterais por passarem ao lado do que realmente interessa aos jovens; ou são compinchas; ou são objetos sexuais. Os adolescentes, esses são senhores das suas vidas, porque, ou não têm uma autoridade que se afirme, ou enfrentam-na e vergam-na com sucesso. Acresce a sabida obsessão pela sexualidade: os adolescentes de "Morangos com Açúcar" são quase todos sexualmente ativos (os que não são têm pena e a sua aparência é ridícula) e movem-se, na maior parte do tempo, por motivações sexuais.

Sublinho ainda a pobreza de valores: em "Morangos com Açúcar" é importante o não-racismo, a ecologia e a saúde pública. Tudo o resto é opcional e não absoluto. A existência e massiva presença de "Morangos com Açúcar" exige assim, um juízo e uma tomada de posição (a suposta não tomada de posição é, ao contrário do que pretende, altamente expressiva).

Deixo algumas mensagens subliminares que me parece que os Pais transmitem aos filhos quando se rendem à inevitabilidade desta novela: «Fazes o que queres: já tens idade para isso e não tenho o direito de interferir nas tuas escolhas»; «A nossa vida, a nossa casa e a escola que te escolhemos são cinzentas e sem graça; boas são as vidas, as casas e as escolas de "Morangos com Açúcar"» ; «Já estás crescido(a), por isso é normal que o sexo esteja no centro das tuas preocupações: vive a vida, faz as tuas experiências, mas toma cuidado com as doenças»; «Os valores que te transmitimos são os nossos, mas são tão bons como outros quaisquer; cada um tem que encontrar os seus»; «Não é preciso estar sempre a aprofundar tudo e em geral as coisas são tal e qual o que parecem»; «Uma telenovela é de fato algo de irresistível, compreendo que não passes sem "Morangos com Açúcar" Podes ver desde que faças antes as liçoes da escola»; «Veste-te como quiseres, és jovem, tu é que sabes o que se usa, não te quero forçar ao meu gosto nem tenho nenhum critério para te dar nessa matéria».

O que sugiro é a clareza de uma escolha e a coragem de a levar até às ultimas consequências: que podem passar por banir a televisão, proibir simplesmente de ver "Morangos com Açúcar" ou outras versões mais negociais. Lembro que quanto mais pequenos são os filhos mais os ajuda e protege uma posição firme. E posso prometer em nome da minha experiência profissional, que não ver "Morangos com Açúcar", ainda que todos os meninos da escola vejam, não causa traumas, nem provoca exclusão.

Como educadores, o que está em causa é a proposta de uma certeza. Não uma certeza de não errar, mas «a certeza como significado e como horizonte, como fonte de energia e como apoio e, portanto, como capacidade de atravessar qualquer contradição e obscuridade» (Luigi Giussani, Educar é um Risco).

Remar contra a corrente é árduo, às vezes parece impossível, mas devemos aos que nos foram confiados a comunicação da totalidade do que encontrámos. Devemos-lhes essa provocação à vida.



 


 
Madalena Fontoura, psicóloga, in Revista Passos, Ano XI, nº 9, Outubro 2005
Fonte: Publicado no site Aldeia
 

Divulgue este artigo para outras famílias e amigos.

Inscreva-se no nosso Boletim Eletrônico e seja informado por email sobre as novidades do Portal
www.portaldafamilia.org


Publicidade