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A primeira encíclica de Bento XVI |
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Publicada em 25 de Janeiro de 2006, a primeira Encíclica do Papa Bento XVI, Deus é Amor foi muito bem acolhida pela Igreja e causou certa perplexidade nos que esperavam um documento condenando algo ou alguém. Bento XVI falou do amor cristão, que precisa ser revalorizado na nossa sociedade. Reproduzimos a entrevista do teólogo Padre Jesus Villagrasa, professor de metafísica do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum e Legionário de Cristo. Qual foi sua primeira impressão ao ler a encíclica? Padre Villagrasa: Admiração e alegria: Bento XVI deu-nos um grande presente, uma obra-prima de clareza e profundidade. E, também, breve. É como seu autor... e como o mar. Claro e transparente, mas não se vê fundo. Pode ser lida sem dificuldade por qualquer pessoa de cultura média. Os filósofos e teólogos de profissão descobrirão melhor sua extraordinária riqueza de pensamento. O que descobriu nesta encíclica? Padre Villagrasa: Que Joseph Ratzinger pôs ao serviço do Magistério sua formação cultural, filosófica e teológica. Ao ler esta encíclica me vinham à mente seus artigos, conferências e livros. Trata-se de uma síntese pessoal muito madura. Um tesouro de sabedoria. Poderia citar algum exemplo? Padre Villagrasa: A primeira parte se titula «A unidade do amor na criação e na história da salvação». Um tema filosófico de fundo e difícil é a analogia que se aplica aos conceitos que têm «unidade fraca, mas real». Amor é um conceito análogo porque se diz com significados diversos que, contudo, têm alguma relação entre si. A analogia expressa a unidade conservada apesar das reais diferenças. O amor divino e as diversas formas de amor humano não são iguais, mas tampouco inteiramente diversos. Dão-se algumas relações e semelhanças que a primeira parte da encíclica trata de explicar. Ao falar de analogia e dar suas explicações não complica mais as coisas? Padre Villagrasa: Assim é. Por isso penso que o Santo Padre evita a linguagem técnica e se limita a explicar que há um “problema de linguagem” (n. 2). Os fiéis não necessitam conhecer a fundo a teoria lingüística e metafísica da analogia. Contudo, o rigor e a clareza da encíclica são frutos da consciência que o Papa tem do problema e do uso da analogia para resolvê-lo. Bento XVI acolhe os diversos significativos corretos de “amor” sem romper a unidade do conceito e mostrando as relações entre os diversos tipos de amor. Distinguir para unir. Jean Guitton dizia que a distinção é a caridade do pensamento. Mas em um tema tão importante como o amor cristão lhe parece interessante deter-se nestas questões filosóficas e lingüísticas? Padre Villagrasa: Creio que uma das preocupações de fundo do pontífice é o empobrecimento do conceito de amor. Costumam se dar visões parciais: moralistas ou pietistas, políticas e ativistas, sentimentais ou voluntaristas. Compreendo que a imprensa se fixe em aspectos particulares, chamativos. Contudo, a força desta encíclica está em sua unidade, em ter unidos sem confundi-los sentimentos, inteligência e vontade; «eros» e «ágape»; especulação e prática; espiritualidade e política; religião, filosofia e teologia; fé, liturgia e moral; antigo e Novo Testamento. Este «e» que une as dimensões é muito importante. Ter apresentado a unidade das diversas dimensões e tê-lo feito com tanta clareza e equilíbrio é algo grandioso. Seria uma pena que as leituras da encíclica fossem parciais: contrapor a «encíclica social» à «encíclica teológica» e coisas do estilo. Poderia mostrar mais em particular alguma destas estruturas de fundo? Padre Villagrasa: Fixo-me na estrutura religião-filosofia-teologia que está presente na primeira parte da encíclica quando se desentranha o conceito de amor à luz das religiões, primeiro, e da filosofia e da Bíblia, depois. A filosofia ajudou a purificar os elementos negativos presentes nas religiões, mas não alcança a dar a resposta última à aspiração humana ao amor. Só o Verbo encarnado ilumina o mistério do homem e do amor humano. Servindo-se desta estrutura, o grande teólogo H.U. von Balthasar organizava seu pensamento. Em seu livro «Epílogo», quis oferecer uma visão geral de sua monumental obra. Serviu-se da imagem da catedral e de suas três partes. O «Átrio» está ocupado pelas religiões e as cosmovisões que expressam a busca do sentido da realidade e da existência humana; o «umbral», constituído pela filosofia, conduz ao «Santuário» da teologia onde se contemplam os mistérios cristãos da Encarnação e da Trindade. Parece-me que esta estrutura está presente na primeira parte da encíclica. Que conselhos daria ao leitor da encíclica? Padre Villagrasa: Se é um especialista, que aprofunde no pensamento de Joseph Ratzinger para desentranhar a riqueza e originalidade que tem esta encíclica, que não se fixe apenas em seu conteúdo, no que diz, mas na forma com que está elaborada. É um exemplo de aplicação do diálogo fé e razão delineado na encíclica Fides et Ratio de João Paulo II. Há também contribuições muito valiosas para o tema da genuína laicidade. Este e outros temas, pensados desde o centro do cristianismo que é o encontro pessoal com Cristo e a caridade, adquirem uma luz particular.
Padre Villagrasa: Pela riqueza de textos bíblicos e, salvando a analogia, recomendaria a aplicação dos passos da «lectio divina»: leitura, meditação, oração, contemplação e ação. A leitura inicial repousada permite captar, sem muita dificuldade, a intenção do Santo Padre, as idéias principais. Retornar a essas verdades na meditação para aprofundar no mistério da existência cristã e nas aplicações que se derivam. A meditação avivará a consciência de que a caridade cristã é um dom de Deus que há que pedir a Deus. Nesta oração Deus pode conceder a graça de compreender e contemplar algo de sua grandeza e bondade. Como repete o Papa nesta encíclica: desta contemplação brotará um autêntico compromisso de ação caritativa, que não é já um mandato externo, mas uma exigência interna do próprio amor. Sobretudo recomendaria lê-la várias vezes em sua unidade. Como qualificaria esta encíclica? Padre Villagrasa: Revolucionária. Bento XVI em Colônia falou aos jovens de uma revolução. A revolução de Deus é o amor; só uma explosão de bem pode vencer o mal e transformar o homem e o mundo. Só Deus e seu amor transformam o mundo. Mas esta revolução divina passa pela colaboração humana, também pela colaboração associada e institucional. Daí a importância de que as associações caritativas tenham as características que o Papa indica na segunda parte da encíclica. Se o cristão vive o amor, revolucionará o mundo. |
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fonte: www.zenit.org Publicado no Portal da Família em 14/06/2006 |
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