Portal da Família
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Entendendo a Dança 8 A IDADE MÉDIA |
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Eliana Caminada |
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Os bárbaros, amantes das festas dançadas, contribuíram para sua manutenção, assim como aconteceu com o Teatro Popular Medieval, através dos gêneros teatrais “farsas, mistérios e moralidades”. Da Idade Média vale citar a dança mourisca surgida, segundo alguns autores, no século VIII, de acordo com outros no século XI. Reproduzia-se nela a primitiva dança de armas na forma de uma batalha entre mouros e cristãos, dança ainda hoje executada, base de várias de nossas manifestações dançadas como as “Cheganças” e as “Cavalhadas”. E base da encenação que deu origem ao ballet. Um elo do ballet com o Brasil? Paradoxalmente, considerando a repressão cristã, as guerras, pestes, insegurança, pânico e confusão que marcaram o desmantelamento do mundo feudal, as condições de vida do fim da Idade Média foram expressas através do que se convencionou chamar “dançomania”, movimento composto pela tarantela, a única das danças que celebrava a vida, pela dança de São Vito ou São Guido, pela dança do flautista de Hamelin e pela dança macabra. A transformação da dança coletiva em idéias macabras resultou do antiqüíssimo e universal conceito de que a dança teria o poder de permitir a comunicação com os mortos, com o não menos antigo, de que os mortos se movimentam em alguma outra existência ou outro mundo. Encontra-se uma frase do século III, escrita por um rei de Meca: “O que sois, fomos; o que somos sereis”. Esse ditado alcançou o Ocidente fazendo com que, séculos depois, tenha originado a dança macabra. A palavra macabra vem de “kabr”, que significa tumba, e “mák”, que quer dizer cemitério. É justo supor, portanto, que tanto a palavra quanto a dança são de origem árabe. A dança de São Vito ou São Guido é descrita como parte de uma cerimônia mórbida em que, no quarto de um moribundo, o dançarino executava uma dança em desarmonia com o corpo, composta de movimentos convulsivos e espasmódicos, até começar a babar e perder a consciência. A dança do flautista da cidade de Hamelin impelia homens e crianças, que levados por uma alucinação mórbida saíam a pé, carregando ramos e círios, até sofrerem sérias conseqüências ou morrerem de esgotamento pelo esforço despendido. Para a lenda de Hamelin, na qual os meninos eram atraídos à montanha pela música de um flautista não houve mais que um passo. Já a tarantela, muito dançada até hoje, parte integrante de grande parte dos ballets de repertório do século XIX, exibia a alegria e a extroversão do italiano. Originou-se, provavelmente, do torpor produzido pela mordida da aranha Lycosa Tarentula e, segundo consta, o movimento frenético da dança, tinha a propriedade de expelir através do suor o veneno do animal. Os nomes, tanto da aranha quanto da dança derivaram da cidade de Tarentum. A esse movimento se chamou “tarantismo”. A pintura deixou inúmeras ilustrações que mostravam esqueletos se movimentando, apavorando uma população pateticamente desorganizada, de maneira democrática, arrastando atrás de si pobres e ricos, clérigos e poderosos. Mas foi o Teatro Religioso Popular que, organizando desfiles de arcos triunfais e cortejos a cavalo ou a pé, deu origem ao “travestimento”, gênero literário ao som de cujas canções se cantava e dançava a “ canzone a ballo ”. Esses cortejos chegaram aos salões da nova classe social que ascendia ao poder com o nome de “ trionfi ”, uma tentativa de reproduzir a chegada em triunfo dos antigos imperadores romanos. Revia-se a civilização greco-romana, chegava-se à Renascença, sobretudo em Florença. Uma vez introduzido nos salões, o grande baile popular transformou-se num baile menor: o “ balletto ”. O poder tinha novos donos ansiosos por legitimar uma aristocracia recém-adquirida. As danças livres, espontâneas, por vezes inconvenientes, inspiravam (e o fariam sempre) os maestros de dança, mas precisavam ser domesticadas, amaneiradas, adaptadas a trajes pesados e imobilizantes. Esses maestros, em geral, judeus, não estavam submetidos às normas da igreja cristã. Instruídos, possuíam algum dinheiro - que eles mesmos administravam -, tinham maneiras mais refinadas e livre trânsito entre o povo e a dança que ele executava espontaneamente, sem repressões, e os senhores renascentistas, que queriam, à custa de incorporar normas de “bom tom” ao seu estilo de vida, se distanciar de sua origem burguesa. Contando com o concurso de grandes cenógrafos, até de Leonardo da Vinci, os maestros de dança criaram, a partir dos triunfos, e usando a mourisca como a dança inicial, os espetáculos que um século mais tarde e com alguns aperfeiçoamentos ficaram conhecidos como ballet. |
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Eliana Caminada
é Orientadora e consultora, escreveu
vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas
História da Dança e Técnica de Ballet Clássico
no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto
"Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste
Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação"
e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras
de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile
do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé
Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal
de Munique". e-mail: e.caminada@gmail.com |
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