Indignação e aflição são os sentimentos do país. Os escândalos, desde que vieram à luz o mensalão, as sucessivas pizzas e os sanguessugas, exigem processos que façam justiça, punindo todos os responsáveis. Os atentados à coisa pública (res publica) não podem terminar com simples e deslavados pedidos de desculpas, mas com a perda dos direitos políticos e com a cadeia. Onde está a devolução do dinheiro público desviado do erário, acrescido de juros, multa e correção monetária?
Deputados que deveriam representar o povo, os eleitores, e promover o bem comum, tornaram-se mensaleiros, sanguessugas e quejandos. Traíram os seus eleitores, a representação política, a democracia, para embolsarem muito mais que trinta dinheiros. As cifras astronômicas de hoje fazem de PC Farias um aprendiz de feiticeiro. A denúncia da Procuradoria da República diz que eles são os elos finais de um plano bem arquitetado em que vários dutos desviaram o dinheiro público, por meio de caixas dois, empresas fantasmas, paraísos fiscais, etc...
Ética para essa gente é palavrão. Há alguns, no entanto, que assumem ares de refinamento maquiavélico e defendem a “moral”, mas (nesses casos há sempre um mas) logo se apressam a lembrar que, historicamente, outros também foram apanhados com a boca na botija, porque a “estrutura política” é perversa. Isso! Descobrem logo os culpados, de preferência entes abstratos como a política brasileira, o sistema eleitoral, que precisam de reforma profunda. E eles, eles estão acima de qualquer suspeita!
As reformas política e eleitoral são necessárias. Nem por isso, a falta de reformas justifica a bandalheira. Pode a prática da falcatrua por outros servir de desculpa? É correto trazer em suas defesas exemplos paradigmáticos da outrora demonizada oposição? E se tivéssemos por provado, cientifica e historicamente, que a corrupção no país é endêmica? Seria lícito acolhê-la? Mas ouvi de uma pessoa: olha, isso sempre existiu, só que agora é por uma boa causa...antiburguesa e, assim, os fins justificam os meios. Em nome da boa causa podem espezinhar a Constituição, as leis e os contratos.
A indignação é geral, afinal, pagamos pesados tributos sem retorno. Basta ver a saúde, a segurança, a educação. É o sentimento da imensa maioria das pessoas. E não é um sentir subjetivo, sem nexo com a realidade. Os fatos clamam aos céus! Será que vamos ter de nos acostumar e achar tudo isso normal?
E eis a suprema burrice: arautos da indignação e do protesto, desfilando com esses e muitos outros fatos de conhecimento geral, mas pedindo o voto nulo.
Trazem como argumento principal o artigo 224 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15/7/1965) que estabelece: se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Sejamos francos. Esta hipótese não se dará. Os votos nulos ficarão distantes dos 50% dos votos do país. Apenas para dar asas à imaginação, se os votos nulos ultrapassarem os 50%, muitos argumentos jurídicos seriam lançados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e depois no STF (Supremo Tribunal Federal), começando com o da revogação do art. 224 pela Constituição que, no artigo 77, § 2º, prescreve: será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
Superada esta tese, para anular uma eleição, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, não se poderá incluir o universo de votos nulos decorrentes da manifestação apolítica ou antipolítica do eleitor no momento do escrutínio, seja ela voluntária ou involuntária, porque aí se estará ofendendo o § 2º transcrito. Para o grave efeito da anulação da eleição, serão computados apenas como nulos aqueles votos válidos, mas que, comprovadamente, em decorrência do artigo 220 do Código Eleitoral, são nulos (votação feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral; em folha de votação falsa; em dia e hora ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas; em ofensa ao sigilo dos sufrágios; em local proibido, como a propriedade de candidato, membro do diretório do partido, delegado do partido ou autoridade policial e seus cônjuges e parentes até o segundo grau inclusive; em seções eleitorais localizadas em fazendas, sítio ou propriedade rural privada, mesmo existindo no local prédio público). É deste voto nulo que trata o artigo 224 do Código e não daquele da Constituição. Por aí se vê a má-fé ou a monumental ingenuidade dos defensores do voto nulo.
O falso argumento do voto nulo alcança só a eleição majoritária. Em 2006, as de presidente, governadores e senadores. No tocante à eleição proporcional, a questão sequer pode ser aventada, mas em meio à confusão, muitos defendem o voto nulo de protesto aos candidatos a deputado federal e estadual.
O voto nulo da indignação e do protesto servirá para manter a situação atual e até agravá-la, beneficiando o caos. Como o voto nulo não é computado, os votos dos eleitores dos sanguessugas, mensaleiros et caterva passarão a ter mais peso. Et caterva é expressão que não costumo usar, mas entendam-na como bando do caos.
Diante de casos graves, como os que são denunciados no país, coroados com a absurda campanha do voto nulo, severo atentado à democracia, trago de Sêneca (4ª.C.- 65 d.C.), filósofo romano, esta perene verdade: a quem beneficia o delito, esse é o seu autor. O grande beneficiário do voto nulo é o caos.
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