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O ENCONTRO |
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Inês Rodrigues |
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Em Londres há cinco aeroportos. E um dos maiores tráfegos aéreos do mundo, boeings zunindo dia e noite sobre nossas cabeças. Experimente ficar olhando para o céu: dá para contar um avião em cada direção, voando com diferenças de segundos. Frio na barriga só de pensar em tudo o que nos cerca quando estamos lá no alto, indefesos nas mãos dos pilotos. Celina morre de medo de voar e por isso Otávia não contou nada disso para ela antes de sua chegada a Londres. Seria o primeiro encontro das duas amigas, elas se correspondiam há quatro anos. Parecia coisa de filme. Como em Nunca te vi, Sempre te Amei, com Anthony Hopkins a Anne Bancroft. Ela vivia na América. Ele era dono de uma livraria, a de número 84 em Charing Cross Road, uma avenida não tão espetacular como pintada no cinema. Com certa timidez, começaram a trocar cartas sobre livros. Ficaram mais amigos do que se morassem na mesma rua. Mas, no tempo do filme não havia e-mail. Os envelopes selados com afeto, o papel em tons pastéis e a caligrafia caprichada demoravam mais de uma semana para chegar ao destino. Celina e Otávia trocavam meia dúzia de e-mails por dia. Duas artistas, uma em Los Angeles, outra em Londres. As fotos em branco e preto de Otávia iam para a Califórnia, queriam a aprovação da amiga. Celina mandava projetos de suas esculturas em arquivos tão pesados que mal cabiam na caixa de mensagens de Otávia. Confidentes na vida e no trabalho. E nunca tinham posto os olhos uma na outra. E chegou o dia do encontro. O vôo deveria aterrisar às dez da manhã e às nove Otávia já se enroscava no tráfego rumo a Heathrow, o maior aeroporto de Londres. Não haveria muito tempo para conversar, pois o destino de Celina era a Índia, seria só uma escala de poucas horas. Ela não dormiu e não comeu durante a viagem, acompanhou as turbulências com expectativa, frio no estômago e rezas do tempo do colégio de freiras. Às dez e quinze pousavam a salvo na pista úmida. Celina, aliviada, queria chegar logo à saída, assim sobraria mais tempo para ver Otávia. Mal sabia ela que a amizade enfrenta tantos obstáculos como a paixão. Depois de atravessar esteiras e escadarias intermináveis e funcionários de aeroporto lacônicos, Celina chegou a uma encruzilhada de corredores, cheiro de desinfetante no ar: - Conexão ou desembarque? - Vou desembarcar e depois volto para o portão para a conexão. - Negativo, não pode sair, tem que passar pela imigração, não vão deixar. Explicou, suplicou, tinha que conhecer a amiga. - "Nem pensar, não vai dar tempo", era tudo o que ouvia. Já desistia. Do orelhão, depois de trocar algumas moedas, ligou para Otávia, que já aguardava no saguão. - "Não posso ir, não me deixam sair", o desânimo e o cansaço na voz. - "Celina, eu estou aqui mesmo. Se não der, ao menos tentamos. Mas fale com alguém mais uma vez, vai". Era o sopro de que precisava. Não podia desapontar a amiga. Procurou um outro funcionário, finalmente uma boa alma. Deu-lhe um papel para preencher, fez com que jurasse: não atrasaria um minuto. Quase o beijou de alegria. Disparou rumo à saída. Só lhe restava uma hora. Confiou, daria tempo. A porta automática se abriu e em meio a todos aqueles abraços, acenos e sorrisos de chegada as duas se acharam. Nem tinham dúvidas da aparência uma da outra. Afinal, já se conheciam há tanto tempo. A mísera horinha evaporou-se, mas houve tempo para o café, os presentes, as risadas. Rendeu uma eternidade. O único inconveniente era mesmo a barulheira das turbinas descendo e subindo. Mas Celina, de tão contente, nem sequer pensou no risco de dois aviões se chocarem lá em cima. |
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Inês Rodrigues é jornalista, tradutora e mãe de dois filhos. Atuou nas editorias de artes e música em diversos veículos da imprensa brasileira como Jornal da Tarde, Editora Globo, Rádio Gazeta e Fundação Padre Anchieta. Há 6 anos fora do Brasil, já viveu na Itália e Inglaterra, e atualmente mora em Nova York. e-mail: ines_rodrigues@hotmail.com Publicado no Portal da Família em 25/04/2007 |
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