Portal da Família
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Sem palavras |
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Sueli Caramello Uliano |
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Poucas coisas me deixam tão apreensiva e insegura como ter de chegar a algum lugar sem saber exatamente o caminho. Pior ainda se faço o percurso com trânsito complicado e compromisso de horário. Atenuante: é dia. Fosse noite e a adrenalina subiria ainda mais. É cedo, por volta de sete e trinta, quando chego ao miolo obscuro do meu trajeto. Se o semáforo fechasse, eu poderia localizar-me melhor... Não fechou, sou obrigada a avançar e percebo, tarde demais, que deveria ter entrado à esquerda... Numa manobra de emergência entro no posto de gasolina que faz esquina com a esquerda que perdi, irritadíssima, com muita raiva de mim mesma, esmurrando o volante, talvez fosse possível dar ré. E volto-me no banco para olhar pelo vidro de trás... Mas não. Não cheguei a olhar para a rua. Quando virei a cabeça, dei com os olhos na minha filha, de cinco meses, deitada numa gôndola. Ela estremeceu de alegria e abriu os lábios num sorriso cheio de meiguice e serenidade. Olhava-me e sacudia os bracinhos no ar, vibrando, satisfeita por me ver ali, de repente, olhando para ela. Se eu me tivesse olhado num espelho e nele visse a minha truculência naquele instante, não teria sido tão imediata a compreensão da minha tolice. E percebi, entre surpresa e arrependida, que há quarenta minutos ela esperava pelo meu olhar. Sorri para a minha menina, brinquei com ela, esqueci-me do erro, da esquerda, da ré. Os fatos ganhavam novas proporções. Saí do posto e voltei para a avenida, disposta a fazer um retorno, sem pressa e sem aflições. Mas não quero, com isso, apenas dizer que um sorriso vale mais do que mil palavras. Não! Até porque a minha filha só tinha a opção de sorrir. Ou de chorar. Eis a grande tragédia dos bebês: quem pode entendê-los? Quanta apreensão e insegurança devem sofrer! Frio, calor, sede... E solidão. Quanta solidão! Fiz o restante do caminho sentindo-me monitorada por uns olhinhos fixos na minha nuca, numa inigualável experiência de ternura, a que eu correspondia com um oi, sempre que possível. Podia perder esquerdas e direitas, avançar ou retroceder, só não podia perder a consciência de que era uma presença, o centro do teu mundo, minha filha: um sol no teu amanhecer. |
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Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação. É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais. e-mail: scaramellu@terra.com.br |
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