Os Anjos

Se os anjos tivessem a nossa mentalidade, um tanto para o embotado, eram capazes de olhar para nós e achar-nos uns seres muito esquisitos. Lá bichos, ervas e pedras, que só têm matéria mais ou menos elaborada, fixe! Mas uns seres com alma espiritual e um corpo que parece só atrapalhar e que formam, ainda por cima, um homem ou uma mulher, é obra!

Até há pessoas entendidas na matéria convencidas de que foi precisamente isto que causou a repulsa de uns quantos anjos ao considerarem que teriam de adorar a Deus mesmo feito homem na pessoa de Jesus, e daí o desafio non serviam com que Lucifer, o anjo da luz, se converteu em Satanás. Esta figura sinistra tem várias designações e atributos, e alguns deles foram-lhes atribuídos pelo próprio Mestre que lhe chamou “homicida desde o princípio, mentiroso e pai da mentira”. Entre as suas mentiras tem uma muito eficaz e que lhe dá muito jeito para trabalhar a seu modo: convencer os incautos de que não existe, um bocado como o avião F-117A Nighthawk furtivo (“stealth”).

Mas claro que há outros anjos de quem é muito mais agradável falar, entre eles o São Miguel. Desde há muito que se festejava este arcanjo (um “super-anjo”) em 29 de Setembro, data em que no antigamente os rendeiros entregavam as rendas aos proprietários de terrenos agrícolas. Rendas em géneros, que eventualmente se substituiu por pagamentos em dinheiro. Em miúdos tínhamos um rendeiro que por essa altura entregava uns quantos alqueires de milho. Guardava-se numa arca aberta e servia para alimentar pelo menos dois tipos de bichos: galinhas e baratas. As galinhas eram o máximo, sobretudo quando tinham uma ninhada de pintainhos.

Nessa época a gente não tinha TV, MP3 (nem MP4) ou Play Station, fosse com fios ou portable, e como tínhamos de nos divertir com alguma coisa, zás, entrava o milho e as galinhas. Atavam-se dois milhos às pontas de uma linha aí com meio metro e atiravam-se à capoeira: normalmente um milho ia para o papo de uma galinha e o outro para outra, de onde resultava a coisa divertida de uma das galinhas desengolir o que tinha engolido com o puxão que levava da concorrência. A cerimónia repetia-se ardorosamente até que uma conseguisse comer ambos os milhos. Ou então com as baratas: enterravam-se copos com os bordos à face do milho e passado algum tempo apanhávamos umas quantas baratas em cada copo*.

Pode parecer estranho como consegui descer dos anjos às baratas, mas a associação de ideias continuou e várias vezes tenho pensado na argolada do Adão e Eva que os colocou, a eles a nós, seus filhos, na situação das tais baratas, numa queda de onde por si mesmos não havia retorno. Só que à humanidade, muito mais tosca e limitada na sua clarividência e liberdade que os anjos caídos, foi dada uma segunda hipótese por Quem nos veio cá safar.

Curiosamente, se em 29 de Setembro se celebra São Miguel, agora também juntamente com os dois outros arcanjos que são referidos pelos nomes na Escritura, São Gabriel e São Rafael, o dia 2 de Outubro é o dos Anjos da Guarda, esses poderosíssimos ministros (ministro quer dizer servidor), que muitos serviços realmente nos prestam, e muito mais nos poderão pres­tar se nos lembrarmos deles e os tratarmos como amigos. Que não temos melhor amigo que o nosso anjo da guarda e bem podíamos dar uma olhadela a um portal onde se fala destes seres a propósito do Anjo de Portugal, que apareceu aos Pastorinhos antes do 13 de Maio.

http://www.agencia.ecclesia.pt/ecclesiaout/liturgia/liturgia_site/santos/santos_ver.asp?cod_santo=88

* Nesses tempos não havia as associações que agora há para defesa dos animais e de qualquer modo, tais crimes provavelmente já prescreveram, mas à cautela não conto mais maldades. Quanto às baratas, não me lembro do que lhes fazíamos. Mas coisa boa certamente não era. Para as baratas…

Publicado no Portal da Família em 05/10/2008