Portal da Família
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Liberdade e Responsabilidade – I |
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André Gonçalves Fernandes |
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O nexo entre liberdade e responsabilidade dá lugar a novas perguntas de imediato. Que direito está de acordo com a liberdade? Como deve estruturar-se o direito para constituir uma ordem justa da liberdade? Porque, induvidosamente, existe um falso direito, que escraviza e, logo, não é, em absoluto, um direito, mas uma forma regulada de injustiça. Como se encontra a ordem jurídica justa? Eis a grande pergunta que acompanha a história da liberdade humana. Afastadas as considerações filosóficas demasiadamente abstratas, é de rigor focar uma reposta ao questionamento em tela de forma indutiva a partir das realidades empíricas postas pela marcha da história. Se começamos com uma comunidade de proporções pequenas, suas possibilidades e limites indicam uma certa base para detectar a ordem mais adequada para a vida compartilhada por todos seus membros, de tal maneira que surge uma forma comum de liberdade decorrente da existência conjunta ali verificada. Em todo caso, esta pequena comunidade não é autônoma, pois está inserida dentro de ordens maiores, que, junto com outros fatores determinam sua essência. No auge da era das nações, era verdade inquestionável que a própria nação era a unidade representativa e que o bem comum desta era também a justa medida de sua liberdade como comunidade. Os acontecimentos do século passado demonstraram que este ângulo de vista é completamente inadequado. Agostinho assinalou a respeito que, se um Estado mede a si mesmo unicamente por seus interesses comuns e não pela justiça mesma, não se diferencia essencialmente de um bando de ladrões fragilmente organizado, o qual tem, como medida de si mesmo, seu próprio bem independente do bem dos outros. Se nos remontamos ao período histórico das colonizações (séculos XVI a XX) e aos estragos que legou ao mundo contemporâneo, vemos, hoje, como Estados devidamente organizados e civilizados (Inglaterra da rainha Vitória ou a Espanha de Felipe II) guardavam, em alguns aspectos, semelhanças com a natureza de uma quadrilha de pistoleiros, porquanto pensavam exclusivamente em termos de seu próprio bem e não no bem comum. Por conseguinte, a liberdade exercida desta forma tem algo de liberdade de bandido. Não é uma liberdade verdadeira e autenticamente humana. Na busca pela justa medida, toda a humanidade deve ser considerada e - como vemos cada vez mais e com mais claridade - não somente a humanidade atual, mas também as gerações futuras que receberão nosso legado. Logo, o atributo do verdadeiro direito, que pode assim ser chamado por estar de acordo com a liberdade, só pode ser o bem da totalidade, o bem em si mesmo. Não é a toa que alguns filósofos atribuem à responsabilidade a condição de conceito central da ética. Assim, para se compreender, sem rodeios, a liberdade, devemos concebê-la sempre em um paralelo com a responsabilidade. São faces da mesma moeda e, com efeito, a história da liberdade deve ser analisada como a história do incremento da responsabilidade. O maior grau de liberdade já não pode descansar puramente no pleito de reconhecimento cada vez maior da amplitude dos direitos individuais em si mesmos. A maior liberdade deve ser sinônimo de maior responsabilidade e isso inclui a aceitação dos vínculos cada vez maiores requeridos pelas exigências da existência em comum da humanidade e pela essência do homem. Se a responsabilidade atende à verdade do ser do homem, podemos afirmar, então, que um componente essencial da historia da liberdade é a purgação dos indivíduos e das instituições por meio desta verdade. A propósito, o psiquiatra Viktor Frankl escreveu certa vez que não me objetem que nós defendemos e propugnamos incondicionalmente a liberdade... Eu sou contra o incondicionamento. A liberdade não é a última palavra. A liberdade pode degenerar em libertinagem, quando não é vivida com responsabilidade. Talvez agora se compreenda por que razão recomendei com tanta freqüência aos meus alunos americanos que, ao lado da estátua da liberdade, levantassem outra à responsabilidade (in Ante el vacío existencial. Hacia una humanización de la psicoterapia. Editorial Herder, Barcelona, 1984, 137). |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 05/10/2008 |
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