Não há ninguém hoje em dia, assistindo à televisão ou navegando pela internet, que desconheça a existência das tribos urbanas, uma nova forma de socialização juvenil, que encontrou nos meios de comunicação um verdadeiro sócio.
Isto ocorre porque um dos principais objetivos desses jovens que se associam através de tais grupos é o de serem vistos e reconhecidos, pois aí se encerra o círculo de todo um trabalho estético incluindo vestuário, penteado, modo de caminhar e de falar. Através destas ferramentas os adolescentes se exprimem, respondem e dão o seu recado a um mundo que lhes parece demasiado racional e rígido, com cidadãos que caíram no anonimato em conseqüência da globalização.
Por causa desta mesma aliança, implícita nesses meios de comunicação, é que temos a sensação de que as tribos são um fenômeno de massa, quando - se bem que não haja cifras a respeito - os especialistas em comunicação sabem que são, antes, o contrário.
Estamos falando dos 'emos', 'pokemons', visuais e góticos - só para nomear alguns desses grupos formados por adolescentes, geralmente da classe média da sociedade. Por que não das classes 'baixas’ e ‘altas'? O investigador do Centro de Estudos Sociais CIDPA, Juan Claudio Silva, explica esse fato com clareza em seu livro: “Juventud y tribus urbanas: en busca de la identidad” (Juventude e tribos urbanas: em busca da identidade).
No livro ele explica que esses jovens não podem ser nem tão pobres, sem poder dispor de uma capacidade mínima de consumo que lhes permita adquirir a roupa e os acessórios que implicam na estética do grupo; nem tão ricos, porque para esses o tema da sua distinção em relação aos demais jovens está resolvido desde a superestrutura. “Não necessitam diferenciar-se do resto porque, sendo tão poucos numericamente falando, constituem por si só uma tribo”, afirma Silva.
Uma identidade coletiva
Essas tribos urbanas costumam ir além da amizade que as une, e apresentem características sociais diferentes daquelas de um grupo comum e ordinário, mas o que motiva seu surgimento e participação é o denominador comum de todos os grupos nessa idade: a busca da própria identidade através da interação com outros.
Claudia Solé, psicóloga especialista em adolescentes, explica que os laços são muito fortes porque o grupo se converte no centro da atividade psíquica do jovem, quer dizer, no centro de seus pensamentos e interesses. “Isto lhes dá a sensação de uma única e poderosa entidade comunitária. O grupo de amigos, mais que uma soma de indivíduos, torna-se um bloco indistinto, inclusive com uma intimidade coletiva”, diz Claudia, acrescentando que até mesmo o trato com jovens do sexo oposto é orientado pelo grupo. “Se algum deles se interessa por uma menina, o novo casal, quando sai para assistir a um filme, vai acompanhado de amigos dele e dela”, exemplifica.
Caminho rumo à autonomia.
Este tipo de relação com o casal não só é normal como necessária, pois permite ao jovem levar a cabo a tarefa fundamental da adolescência: descobrir quem é e decidir quem se tornará. Esta é uma missão pessoal; no entanto, por ser o homem um ser social, necessita dos demais para levá-la a bom termo.
É principalmente através das relações humanas que o jovem se conhece a si mesmo: suas habilidades, defeitos e vulnerabilidades. Ademais, os amigos são um espelho para o adolescente, e suas reações para com ele valem como um guia acerca de sua própria identidade.
Por este motivo, para um jovem sadio, a dependência que existe em relação ao grupo é funcional: não será mais que a transição entre a dependência dos pais e a autonomia que o levará a estabelecer um novo tipo de relação com a sua família e com o mundo em geral. Esta transição começa a despontar na adolescência tardia, em torno dos 18 aos 21 anos. “Sem o apoio de uma comunidade, com a qual o jovem se sente identificado, é muito difícil dar este passo. Por esta razão, o grupo, além de funcionar como chave no desenvolvimento, torna-se um critério de saúde mental na adolescência”, afirma a psicóloga Claudia Solé.
A filosofia apresenta uma explicação na mesma linha: “A tarefa da adolescência consiste em aceitar afirmativa e livremente aquilo que sou. Para isto é necessário conhecer-se a si mesmo; trata-se de um saber prático, ao mesmo tempo ético, que se adquire através do trato contínuo com os demais. Nessa perspectiva, é indispensável a participação em comunidades de amizade ", diz Juan Carlos Aguilera, doutor em filosofia pela Universidade de Navarra e docente da Faculdade de Humanidades da Universidade Adolfo Ibáñez.
Durante a adolescência desfaz-se a relação de dependência que havia com o papai e a mamãe, e se estabelece um laço similar, de segurança, com os amigos. Isto não significa que os pais tenham perdido importância, apenas que começam a ter outro papel na vida dos filhos.
O risco de anular a individualidade.
Porém, para que um jovem adquira esta autonomia e independência, é preciso que leve a cabo, paralelamente, uma busca pessoal em relação à identidade coletiva. Claudia Solé explica que sem isso ele não conseguirá forjar sua identidade pessoal. “Não é por se sentir parte de um grupo que o adolescente vai mudar de personalidade, renegar seus valores ou perder o carinho e o respeito por seus pais”, explica. Se isso acontece é porque havia problemas anteriores, como pais possessivos e rígidos, que provocaram rebeldia ou uma personalidade muito frágil, que torna o jovem manipulável e propenso a dissolver-se no grupo.
Em todo caso, ainda que o adolescente tenha uma relação sadia com os amigos, os pais nunca devem baixar a guarda ou pensar que seu filho não precisa mais deles. Convém, sem invadir a privacidade do jovem, continuar perto dele, pois a intensidade da sua relação com o grupo sempre apresenta o risco de tornar-se prejudicial. A única forma de certificar-se disso é conhecer bem o filho adolescente, conversar com ele, procurar saber com quem ele se reúne e que tipos de horizontes ele descortina, a partir de sua relação com o grupo.
Confiança na educação anterior
Os pais também devem ter em conta que a adolescência não se processa em um terreno novo, mas sobre a base da educação anterior e dos laços familiares estabelecidos desde o nascimento. “Se até esse momento tudo corre bem e os genitores acreditam terem formado uma pessoa que se sente amada, segura de si mesma e com o devido auto-controle, ainda assim devem continuar acompanhando o adolescente, mas permanecendo tranqüilos”, assegura Claudia Solé. Da mesma forma, devem ter consciência de que os problemas percebidos não são culpa do grupo ou da tribo, mas da responsabilidade do jovem, que não soube escolher seus amigos ou não foi capaz de discriminar o bom do mau.
TRIBOS URBANAS
O risco de fundir-se em massa anônima é maior nas tribos urbanas que em outro grupo, por ser mais poderosa a filosofia que aglutina os adolescentes, fenômeno que os estudiosos denominam “comunidades emocionais”, já que as relações entre os membros se baseiam na afetividade, criando uma lealdade muito forte entre eles e o ideal do grupo. Além do mais, se em todos os grupos de adolescentes existem normas de comportamento, estas são levadas ao extremo nas tribos urbanas.
Cada tribo tem seus rituais e uma estética que a diferencia das outras e cujo cumprimento envolve um significativo compromisso pessoal. O jovem, contudo, se sujeita, uma vez que tal conduta lhe permite sair do anonimato, pois sendo algo irreverente, chama a atenção do resto da sociedade.
O pesquisador Juan Claudio Silva explica de forma simples: “Para serem diferentes, eles aceitam de bom grado assemelhar-se aos demais membros da tribo”. Este critério é perigoso porque, para um jovem que se entrega à tribo, tudo se torna aceitável: drogas, promiscuidade sexual, folia permanente, inclusive violência, e conseqüente abandono dos deveres. Vale dizer, muitas vezes se cai na diferenciação pela diferenciação, não priorizando a construção da identidade, que conduz à independência e à maturidade. |
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