Portal da Família
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O HOMEM ATUAL - II |
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André Gonçalves Fernandes |
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O problema do humanismo reside em termos inexatos, certamente porque a noção de humanismo guarda algum grau de afinidade com a corrente naturalística do Renascimento, enquanto, por outro lado, a noção de cristianismo – para muitos – ainda estaria influenciada pelas lembranças do jansenismo ou do puritanismo. A arena de discussão não tem, num canto, o humanismo e, no outro, o cristianismo. Digladiam-se duas concepções de humanismo: uma, de natureza antropocêntrica, fruto do espírito do Renascimento e que teve em Montaigne o divisor de águas (quando perdeu suas raízes cristãs e tornou-se um áspero compêndio de laicismo moral) e outra de natureza teocêntrica, na linha de Tomás de Aquino. Neste âmbito, as pessoas de João Paulo II e de Bento XVI são fundamentais no processo de reflexão acerca desse estado das coisas (Fé e razão, Memória e identidade, A fé em crise, O sal da terra, A esperança que salva), mesmo para além do campo estritamente católico. Reputados como conservadores, essas duas personalidades indicam as dificuldades dos dogmas contemporâneos. O relativismo sem discernimento e a serviço do desejo, sem qualquer compromisso com a superação da ignorância, sem negar a importância de valores sociais, como a tolerância pela diferença, mas desde que implique na aceitação a priori de tudo. O hedonismo desenfreado que torna o outro mero instrumento da satisfação de nossos apetites sensíveis. O consumismo que mina toda esperança do porvir, já que importa apenas a preocupação desmedida pelo conforto material aqui e agora. A existência humana é uma ópera dramática, e um dos modos de ver a justificação desse drama é exatamente perceber a validade atual de conceitos como o pecado, uma debilidade estrutural definida por um homem que enxerga apenas a si mesmo e que o torna hermético a qualquer reação que enfrente sua dinâmica repetitiva de amor próprio absoluto (Santo Agostinho). Boa parte da produção intelectual feita à luz do humanismo antropocêntrico, que, por si só, deveria ser uma marcha do homem buscando sua superação, são construções a serviço dessa dinâmica: infelicidade é a conseqüência desta marcha para a insensatez, pois tem a capacidade de provocar a exclusão de Deus no mundo. Assim, em que patamar a preguiça intelectual pode produzir aumento da exclusão de Deus? O pensamento, em si, não é um mal, mas se o homem exclui Deus de sua dinâmica essencial, necessariamente dialoga com o nada – o niilismo melancólico na melhor linha de Sartre. A ameaça é que o intelecto humano tem a liberdade de destruir a si mesmo, no limite das coisas. Da mesma maneira que uma geração pode evitar a existência da geração seguinte, se todos resolverem entrar para um convento ou evitarem artificialmente a concepção, uma corrente de pensamento pode, de certo modo, impedir que se pense no futuro, ensinando às gerações vindouras que o pensamento humano carece de qualquer valor. Tome-se, por exemplo, a questão sobre a suposta dualidade entre razão e fé. A razão é, em si, uma questão de fé. É um ato de fé afirmar que os nossos pensamentos têm qualquer relação com a realidade. Uma pessoa um pouco cética questionará: ”Por que alguma coisa está certa, seja uma singela observação ou uma simples dedução? Por que uma boa lógica não é tão quimérica como a má lógica, se ambas não passam de modestos movimentos de um impulso nervoso que percorrem as sinapses dos neurônios?” O novo cético professará: “Eu tenho o direito de pensar para mim.” E o cético completo, em tom professoral, dirá: “Eu não tenho o direito de pensar para mim. Aliás, não tenho direito absolutamente algum de pensar.” Mas por que o homem contemporâneo persegue fórmulas de felicidade com tanta tenacidade? Porque um dos modos de experiência do pecado é a percepção final de que seu objeto supremo de amor, o eu, é efêmero, pois não tem suficiência ontológica. A aflição interior é o corolário da poeira que invade seus olhos e sua boca, produzida por ele mesmo, em seu movimento de buscar a si mesmo todo o tempo. Questões como essas povoam os intelectos dos doutos há milênios. Contudo, para se pensar nelas com algum grau de utilidade, é necessário quebrar o feitiço provocado pelo canto da sereia do humanismo antropocêntrico, segundo o qual todo o patrimônio intelectual da humanidade começou a ser produzido a partir da Revolução Francesa. Na verdade, a partir deste histórico e importante evento, surgiu a fase madura do livre pensamento, cujo declínio se deu no século XX, quando começaram a proliferar filosofias com um toque de mania suicida e que levaram ao desmoronamento final do livre pensamento, pois, não tendo mais perguntas a fazer, começou a interrogar a si mesmo. O livre pensamento esgotou sua própria liberdade e se cansou do próprio sucesso. Já não há mais nenhuma pergunta a ser feita. Procuramos perguntas nos lugares mais ermos ou nos cumes mais inacessíveis ao intelecto humano. Descobrimos todas as perguntas possíveis e já é tempo de as deixarmos de lado para procurarmos as verdadeiras respostas pelas quais anseia nosso intelecto, humano e, ao mesmo tempo, teocêntrico. |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 23/10/2008 |
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