Portal da Família
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O que aconteceu no vestibular da FUVEST/2009, afinal? |
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Sueli Caramello Uliano |
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(Caro leitor, volto ao assunto do artigo “Os bônus exorbitantes no vestibular da FUVEST”, agora com mais dados) Concluídos os vestibulares da FUVEST de 2009, e tendo em conta as poucas informações que foram veiculadas na mídia, os envolvidos no processo têm algumas perguntas que não querem calar. Por que tantos alunos bem preparados não conseguiram entrar na USP, apesar de seu bom desempenho? Se os jornais não cessam de denunciar o baixo aproveitamento dos alunos da escola pública, como esses mesmos alunos entraram na USP, compondo 30% dos convocados nos vestibulares da FUVEST? E na Faculdade de Medicina da USP, frise-se, foram 37,7% os aprovados! Dos 175 chamados, 66 foram agraciados com bônus de até 10%. Não há dados disponíveis no site da FUVEST. Neste ano, sequer a classificação geral dos alunos foi pública. Acontece, no entanto, que estamos em tempos de Internet e seus sites de relacionamento, e isso no mínimo possibilita uma pesquisa, ainda que os dados continuem sonegados ao grande público. No ORKUT há uma comunidade chamada Vestibulandos de Medicina, que eu recomendo a todos os que se interessam pelo tema e podem intervir no processo. Refiro-me realmente às autoridades que buscam soluções para a tal “inclusão social” e querem honestamente saber as consequências das medidas implantadas. Ali há desabafos sofridos, análises muito reais de quem foi prejudicado e argumentos de alguns beneficiados, mas o que me parece mais importante na comunidade é a declaração das notas promovida pelos membros. Em face da descabida sonegação de dados da FUVEST, temos aqui a possibilidade de averiguar o que significam os percentuais de bônus adotados. Penso que até a própria USP, seus professores e alunos, não sabem o que está acontecendo nos bastidores do seu vestibular. Ninguém tem muita paciência para ler manuais de vestibulares, principalmente quando entram nos meandros dos cálculos das notas. Não é fácil! Mas na atual conjuntura tornou-se exigência indispensável. Leiam o manual da FUVEST – é possível acessá-lo no site da instituição – e observem. Ao final do cálculo apresentado como modelo mencionam-se os bônus, mas não se apresenta o resultado do cálculo apresentado acrescido de bônus, o que daria uma visão comparativa. Para completar, remete-se o leitor à página 38, caso tenha dúvidas. É importante que o leitor vá à página 38 e veja o esforço descomunal que a USP está fazendo para beneficiar o aluno oriundo das escolas públicas, embora em nenhum momento se faça uma análise séria de quem é esse aluno, nem se apresentem dados que justifiquem o tamanho dos bônus adotados. Tudo é muito obscuro. Daí, vamos ao site dos Vestibulandos de Medicina e vemos a análise que os próprios alunos fazem, com muita seriedade. Copio alguns trechos: Felipe (respondendo para Maria)
Outro exemplo:
Felipe (respondendo ao Gabriel)
São muitas páginas de discussão e em várias postagens os vestibulandos declaram as suas notas e a sua classificação. Também é possível saber as notas de alguns alunos que receberam bônus e compará-las com as de outros que não tiveram essa felicidade. Por exemplo: o aluno X (a quem agradeço a simplicidade de ter divulgado as suas notas, mas certamente ele nem desconfiava, naquele momento, do tamanho do benefício que recebera) fez 74 pontos na 1ª fase e com bônus foi para 81,31, ou seja 82, sendo que a nota de corte foi 77. Recebeu esse mesmo bônus na segunda fase. Sem bônus, não teria ido para a 2ª fase, mas calculando sobre os 74, sua nota final seria 825,1. Pulou para 900,5 e ele ficou em 57º na Medicina Pinheiros. Já o aluno Y fez 78 pontos na 1ª fase e alcançou, como nota final, 837,5. Sua classificação final foi 580º. Sem bônus, ficou por aí mesmo.(Detalhe: se não existissem os bônus, provavelmente a nota de corte não ultrapassaria os 74 pontos e tanto o aluno X como outros que fizeram 74, 75 e 76 teriam ido para a 2ª fase, por mérito apenas). Talvez seja oportuno esclarecer que a nota de corte reduz a concorrência a três candidatos por vaga. São oferecidas 375 vagas para a carreira de Medicina, distribuídas em 175 vagas para a Faculdade de Medicina da USP, conhecida como Medicina Pinheiros, 100 vagas para a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e mais 100 vagas para a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Essa ordem, inclusive, é a que predomina na opção dos candidatos, com alguma variação entre candidatos do interior que optam em primeiro lugar por Ribeirão Preto. Em 2009, foram convocados 1.259 candidatos, na proporção de 3,36 por vaga, na carreira de Medicina, fixando-se o corte em 77 pontos, calculados pela soma dos acertos das questões, acrescidos de pontos conforme a nota do ENEM, que é benefício que todos podem ter, além de bônus exclusivos para os alunos que fizeram o ensino médio em escola pública. Na prática, um aluno oriundo de escola pública precisou de 70 ou 71 pontos para, com bônus, chegar aos 77. Isso provocou um forte aumento na nota de corte, que deixou de refletir o aproveitamento real dos candidatos. Outra informação relevante no ORKUT é que o 198º obteve nota final 872,4 e foi chamado para a Medicina Pinheiros, que convocou em torno de 200 alunos na 1ª chamada, para preencher as suas 175 vagas. Ora, a nota mais baixa declarada no ORKUT foi a do candidato classificado em 875º. Sua nota foi 814,7. Portanto 57,7 pontos abaixo do 198º, ou seja, 7,1%. Ora, no caso do candidato X, que vimos acima e é real, o bônus foi de 9%, o que nos permite inferir que um aluno com bônus que tenha obtido 800 pontos por mérito seria convocado para a Medicina Pinheiros com 872 pontos. Os dados que o ORKUT oferece são os seguintes: para 820,3 pontos a classificação foi 796º; para 814,7 a classificação já é 875º. Portanto, para uma diferença de 5,6 pontos, a queda na classificação pode chegar a 79 posições. Conclui-se que com 800 pontos o candidato estaria depois do milésimo classificado, em torno do 1082º, mas com 9% de bônus fez 872 pontos e foi convocado para a Medicina Pinheiros. Note-se que, de acordo com o manual da FUVEST, os bônus podem chegar a 12%... Daí se conclui que um candidato à carreira de Medicina que tenha feito o ensino médio em escola pública e, já generosamente auxiliado por bônus, tenha ido para a 2ª fase da FUVEST, praticamente terá a sua vaga garantida na FMUSP, entre os 200 primeiros convocados. Daí passa a ser piada o fato de constar no manual da FUVEST que nada menos do que 10 professores corrigem cada prova. Realmente a questão tornou-se ardilosa. Por que 12%? De onde as autoridades tiraram esse número? Será que tinham conhecimento da dimensão desse percentual no contexto das notas da FUVEST? E a FUVEST, que detém os dados, por que não os divulga? Por que temos de garimpar as informações? Isso é sonegar informação, é boicote. É conduta própria de governos ditatoriais. Será que a reitora, Prof.ª Dr.ª Suely Vilela conhece esses detalhes? E a Prof.ª Dr.ª Selma Garrido Pimenta sabe o que está acontecendo? Não acredito! Porque, se elas sabem o que está acontecendo e consideram que o único que importa é que os Anais da História registrem que na atual gestão o número de candidatos oriundos de escolas públicas ingressantes na USP cresceu miraculosamente, então vamos muito mal. Não hesitarão em promover o aumento desse bônus sem qualquer base objetiva e sem se incomodar com o processo de exclusão que instituíram para aqueles que cometeram o pecado de pagar escola para os seus filhos, sabe Deus a que preço. Desculpem a franqueza, mas chega a ser cômico, se não fosse a tragédia da vida de muitos jovens. Se os 3% de bônus, concedidos desde 2006, não puseram na USP tantos alunos de escolas públicas como se pretendia, então vamos multiplicar essa ajudinha por 4. Foi essa a decisão de gabinete acertada para fazer justiça social... Tenho de copiar a frase de um vestibulando do ORKUT: “isso é pagar promessa com o joelho alheio”. Aumentar as vagas? Isso não! Sai caro e não se faz necessário; basta tirar de uns e dar a outros, etiquetando a manobra adequadamente. Os responsáveis por essa caricatura de seleção em que se transformou o vestibular da FUVEST parecem desconhecer que ser aluno de escola pública não é sinônimo de pobreza e nem de despreparo, e, principalmente, ter estudado numa escola particular não é sinônimo de fartura. Na comunidade do ORKUT que mencionei acima muitos se dizem oriundos de escolas particulares de pequenas cidades, com mensalidades bastante modestas. E outros citam colégios militares e centros de formação associados a universidades que são modelo de boas escolas públicas. Veja-se a classificação das Escolas Técnicas no ENEM. Aliás, no jornal O Estado de São Paulo, matérias dos dias 04 e 05/3 trazem nas entrelinhas uma informação curiosa. Ao afirmarem, considerando apenas as primeiras listas em todas as carreiras, que apenas 12,2% dos alunos que ingressaram na USP estão entre os mais pobres, mas foram 29,2% os que vieram de escola pública no mesmo vestibular e foram favorecidos pelos bônus, permitem concluir que estão sendo beneficiados por bônus 17% que não são pobres. Será que alguém considera esse dado irrelevante? 56% dos candidatos que receberam pontos e saltaram à frente de seus iguais não justificam a política de inclusão social que os favoreceu. Isso é irrelevante? Houve também reportagens nos jornais que mencionaram a grande conquista dos vestibulares da FUVEST em 2009: nenhum aluno do Colégio Bandeirantes, Móbile ou Vértice entrou direto na Medicina Pinheiros. Sei que do Colégio Agostiniano Mendel entrou um. A notícia tem um indisfarçável ranço ideológico, como se isso significasse que a USP já não pertence aos ricos. Fica implícito que bastava estar matriculado em algum desses grandes colégios para ser dono da USP. Isso não é verdade. Esses jovens não são apenas alunos do Bandeirantes, Móbile, Vértice ou Mendel, mas são antes de tudo excelentes alunos. E não receberam os seus conhecimentos por osmose, mas com muita dedicação e disciplina. Derrubar esses alunos à custa de dar nota a outros que, supõe-se, estariam excluídos é simplesmente ridículo. Ora, a USP não é uma entidade abstrata que é o que é, porque é. Ela é o que os seus alunos são. Os alunos dos grandes colégios de São Paulo, com outros de escolas menores e muitos que vieram de boas escolas públicas, e principalmente porque eram todos eles excelentes alunos, deram à FMUSP o renome que tem hoje, mas são apontados como os que se apoderaram da rapadura indevidamente, ao longo de décadas. E para que esse processo considerado usurpador não se perpetue, os donos do poder criaram, sem qualquer base objetiva, um artifício que possibilita convocar os últimos classificados e desprezar o 220º, na sua primeira opção, sob pretexto genérico de fazer inclusão social. Nem se perguntaram a quem estariam incluindo e a quem estariam excluindo, determinados a usar uma frase de efeito: a USP agora é de todos. Será? Deveriam perguntar-se e averiguar de fato a quem estão entregando a USP com esse sistema simplista e verdadeiramente usurpador. Continuo analisando a situação da Medicina Pinheiros, que é emblemática, e porque foram os dados que encontrei, publicados pela galera. Conversei com uma professora de Português de um dos grandes cursinhos de São Paulo. Disse-me que hoje o normal é fazer três ou quatro anos de cursinho para entrar em Medicina, numa universidade pública. E completou: tenho alunos que estão no quinto ano de cursinho! Pergunto: alguém que pode pagar uma faculdade se submeteria a isso? Ocorre que a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo tem hoje uma mensalidade de R$ 2.972,00. A UNILUS, em Santos, está em R$ 3.153,00. A Faculdade de Medicina de Jundiaí em R$ 3.056,00 por mês. A PUCCAMP bate nos R$ 3.400,00. E a Faculdade de Medicina ABC, porque tem o apoio da Fundação ABC, é a mais acessível, nas proximidades de São Paulo: R$ 2.580,00. E outras mais caras. Façam as contas! Não é para qualquer um que estudou o ensino médio em escola particular, não é mesmo? E, no entanto, ninguém reage! Por quê? Porque poucos têm noção do que está realmente acontecendo. Simplesmente não há dados publicados e, em nome de uma privacidade mal entendida, tudo é secreto no site da FUVEST. Os candidatos não conseguem saber qual a classificação do último chamado e nem quem seria o próximo da lista. Ele só conhece a sua própria classificação se digitar CPF e senha. Isso em todas as carreiras. Numa instituição pública isso é inaceitável. Todas as notas deveriam estar publicadas e acessíveis a todos, para o efetivo controle pelos interessados. O desempenho, com as notas em cada fase, com bônus e sem bônus, a nota final e a classificação, com bônus e sem bônus, deveriam estar disponíveis a quem simplesmente digitasse o nome do candidato numa barra. Faz parte do jogo democrático: o público tem o direito de acompanhar e fiscalizar as listas, principalmente neste caso, onde o mérito foi preterido diante de critério duvidoso, que trata iguais de modo desigual. Não resta dúvida de que tudo o que foi aqui exposto com base nas notas da carreira de Medicina aplica-se também a Arquitetura e Urbanismo, Direito, Engenharia, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Design, Relações Internacionais e etc. Não teria por que ser diferente. Com a palavra, a FUVEST, que, espero, não esteja amordaçada pela Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo. Sueli Caramello Uliano – 21/04/2009 |
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Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação. É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais. e-mail: scaramellu@terra.com.br Publicado no Portal da Família em 19/05/2009 |
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