Portal da Família
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DIREITOS HUMANOS: VÁCUO MORAL |
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André Gonçalves Fernandes |
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Na mesma revista em que leio a reportagem sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH III) vejo, na última capa, uma propaganda sobre um projeto social que envolvia a UNICEF e uma conhecida e centenária fabricante de canetas européia, desenvolvido a partir da premissa de que “a habilidade de ler e escrever é um direito humano fundamental”. Não se questiona o valor intrínseco da educação ou da saúde. Contudo, a longo prazo, prejudicaremos a essência da lei. Hoje, qualquer um pode fazer um pleito, apresentando-o como "direito fundamental", pedir para um advogado assiná-lo e submetê-lo para um juiz, depois, dar a razão. O sistema legal tornou-se um catálogo de exigências individuais e, com o tempo, passou a incluir as demandas de grupos arbitrários. O governante e o legislador deixaram de ser garantes de uma certa coerência jurídica e transformaram-se em autores de regras que satisfazem todos os tipos de interesse. As reformas das Constituições introduziram um inventário dos novos direitos: o direito à saúde, à habitação, ao meio ambiente sustentável. Há outros projetos: a de igualdade de gênero para as pessoas, não com base na diferença biológica, mas na livre escolha da identidade sexual. Essa proliferação de novos direitos acaba por se tornar num instrumento de luta política ou ideológica. A lei, com efeito, vira um álibi para o individualismo. Na ausência de uma linguagem ética comum, cada um apela para seu modo de ser. Baseado no direito à saúde, na Holanda, a nicotina é proibida nos bares, mas não na rua, ao contrário da maconha, vedada na rua, mas liberada nos bares, o que, certamente, exige alguma atenção do fumante para não acender o cigarro errado... Também é um paradoxo que assuntos públicos, como o aborto e a eutanásia, sejam relegados à esfera privada, enquanto assuntos parcialmente privados, como o tabagismo ou o álcool, fiquem sujeitos totalmente à regulamentação pública. Entre os fatores que estão minando a essência da lei está a inflação dos direitos humanos. Em muitas agendas políticas, esses novos direitos são formulados de maneira vaga, sua aplicação não pode ser controlada a posteriori e acabam por se converter num instrumento para outros fins que se afastam dos direitos fundamentais. Um outro fator é a ideologização do direito. Nas agências internacionais, existe uma gama de projetos puramente ideológicos que criam “novos” direitos humanos, sem qualquer lastro na tradição filosófico-jurídica greco-romana ou mesmo nos valores tradicionais do Ocidente. O resultado consiste na redefinição dos conceitos de pessoa, sociedade, ética... Não é à toa que a ONU, a mãe de todas as ONGs, resolva a apoiar projetos de estabilização da população mundial, de combate à homofobia e de acesso à saúde, entendida como um estado de bem-estar total com a inclusão, é claro, dos “direitos reprodutivos”. Contudo, a falta de coerência e o vácuo moral desses programas virão à tona, como, aliás, tem acontecido com outros sistemas inconsistentes, como o racionalismo ou um de seus filhotes intelectuais, o marxismo. Não resistem à prova do tempo. Eis uma razão para se trabalhar na criação de uma ordem feita na verdadeira medida do homem. Um dos caminhos para devolver a noção de valor ao Direito está em reconsiderar os conceitos de moral clássica. Nela, o direito não existe sem a correspondente obrigação e uma obrigação só existe em relação à uma determinada norma, uma regra geral. A moralidade de uma ação não depende de seu efeito sobre os outros, exceto quando tal efeito é diretamente procurado. O fato de alguém se sentir ofendido ou discriminado não converte minhas ações, por si só, em atos reprováveis. São necessárias outras circunstâncias que demonstrem que a minha maneira de agir violou lei moral. Direito e moral não são idênticos, mas se o sistema jurídico se move longe da moral, suas prescrições perdem a legitimidade e a observância da lei se reduz a um mero cumprimento estóico de normas. |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 25/10/2010 |
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