Uma escola é um mundo de gente.
Agitação, ruído, muitas cores. Pessoas com os mais
diferentes feitios.
Não posso conhecer todos, mas gosto, às vezes, de ficar
a olhar, reparando em muitas coisas.
E penso que sei quais são os olhos mais bonitos da escola.
São verdes
e estão, ainda por cima, no rosto mais luminoso de todos os que
ali encontrei. É uma menina cujo nome desconheço. Deve ter
13 anos. Vejo-a sempre contente, nos intervalos das aulas. Nunca a vi
sozinha: há sempre uma multidão à volta dela. Não
sei que coisa faz para divertir os colegas, mas eles não a largam.
Talvez brinquem, talvez se metam em brincadeira uns com os outros. Ouço
risos...
Esta menina vive sentada numa cadeira de rodas.
Os colegas quase discutem uns com os outros, porque todos desejam empurrar
a cadeira quando é preciso deslocarem-na.
Não corre por cima da relva, não faz as aulas de Educação
Física, não dança. Não pode ter aulas senão
no piso térreo. Se calhar há uma imensidade de coisas que
nunca fará como os outros.
Mas há, na escola, outra pessoa sentada em cadeira de rodas. É
um rapaz e sei o nome dele. Foi fácil perguntar-lhe porque está
sempre sozinho. Respondeu-me sem simpatia e não foi possível
permanecer junto dele durante muito mais tempo.
Não sei quase nada deles.
Não sei se a menina tem toda aquela felicidade por se sentir acarinhada
daquela forma pelos colegas, ou se os colegas a acarinham porque se sentem
bem junto da felicidade dela. Sucederão ambas as coisas, penso
eu, mas a segunda deve ser preponderante.
A alegria é como um ímã. As caras fechadas repelem.
Não sei se o rapaz está mal humorado por os outros o deixarem
sempre sozinho, ou se os outros o deixam sozinho por ele não ser
simpático. Trata-se, talvez, de um círculo vicioso: está
sozinho porque é triste e está triste porque se sente sozinho...
Mas é possível, ainda que com esforço, quebrar círculos
como esse: podemos aproximar-nos das caras fechadas e semear um pouco
da alegria que lá não existe. Ou, se somos nós as
caras fechadas, podemos procurar os caminhos da alegria - abrindo portas
para fora.
E há outra coisa fácil de concluir: uma cadeira de rodas
não tem a mínima relação com felicidade.
Nem a cadeira de rodas nem o frio nem a fome nem a derrota nem a pobreza
nem nenhuma dessas coisas que por vezes deixamos que nos torture a existência.
Tenho tido, e hei-de continuar a ter, ocasiões para me lembrar
daqueles olhos verdes. E dos outros olhos: aqueles de que não pude
ver a verdadeira cor.
Paulo Jorge Geraldo é
português e professor de Língua Portuguesa. Reside em Portugal
e publica seus artigos no site Aldeia.
|
|