Por que uma Cantora Lírica escreve um libreto para ballet?

Compartilho aqui uma paixão muito antiga, talvez desde a minha infância em que freqüentava as tardes de Teatro Infantil no Teatro Leopoldo Fróes e Teatro Municipal João Caetano em Niterói – cidade onde nasci e resido.

Tenho certeza que ali teve início parte do meu fascínio por esse mundo transcendente e ao mesmo tempo palpável que é a música.

Na mesma fase em que eu descobria a música sinfônica, a música lírica, também descobri a arte da dança. A possibilidade de comunicar e unir etnias, classes sociais, credos numa única linguagem – a arte.

Havia uma sensação de certeza de seguir um caminho onde a criatividade se fazia soberana e cúmplice nas imaginações e projetos.

Era a oportunidade da auto descoberta, através de sons, palavras e gestos que mais tarde resultariam numa escolha de vida. Numa vocação profissional.

A minha escolha pela arte Lírica complementou a busca de um ideal feito pelo Teatro falado - mas para alguém já apaixonada pela música, unir as duas artes não era uma alternativa estranha - muito pelo contrário!

Nos meus estudos de Técnica Vocal e aperfeiçoamento, podia perceber no mecanismo interno do meu corpo, que ali havia algo muito similar ao movimento interno do bailarino – conclusão completada muito tempo depois.

Esse mecanismo foi ganhando sentido a partir do momento em que, ao assistir uma peça de ballet - “O Lago dos Cisnes” , interpretado pela primeira bailarina Cecília Kerche, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, observava em mim mesma o fio condutor para chegar ao personagem. Interiormente indagava, : - é possível visualizar na interpretação de uma bailarina a minha arte Lírica do Canto?

Comecei a ver a arte do ballet com outra visão, talvez com uma sensibilidade estética mais apurada e o meu fascínio por esta arte aumentava mais ainda a compreensão da minha própria arte.

Isto porque a arte do ballet torna visível o invisível. Nela é possível visualizar a música que surge inicialmente no gestual do bailarino para então ganhar a pauta musical.

Era a voz de Renata Tebaldi, que, dentro de mim, se fazia materializar no gestual da Primeira Bailarina Cecília Kerche. Uma variação na música de Tchaikovski, respondia ao eco de veludo na ária de Verdi...

Em outras palavras, não há comparação entre duas referências em artes distintas, mas a experiência viva na comunicação etérea entre beleza e genialidade criativa é a sensibilidade estética que acompanha um mecanismo pedagógico onde é possível ouvir a sonoridade vocal como identidade humana, no gestual do corpo.

Na época de Tchaikovski, era muito comum coreógrafo e compositor trabalharem em parceria, como Petipa e Ivanov. Havia um trabalho de criação conjunta.

O movimento surgia seguindo-se a música, que obedecia à magia singular da própria dança, envolta por notas musicais.

Por que esta associação - RenataTebaldi e Cecília Kerche ?

Pela sensibilidade similar no ato de interpretar, que ambas transmitem com a fortaleza e docilidade de uma técnica incomparável. É a voz de anjo no gestual da elegância clássica.

Wellen de Barros

A arte transformadora

Libreto Onegin