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Carta Aberta aos Adolescentes - Caso Richthofen *

Floriano Serra *

Você tem notado como, depois do crime da rua Zacarias de Góis, seus pais estão diferentes? Se você não notou - ou se eles se esforçaram para que você não notasse - deixe-me dizer-lhe uma coisa: eles estão no maior parafuso do planeta, e, o que é pior, estão sofrendo pra caramba.

Não, a culpa não é sua. A culpa é daquele triste fato, recentemente ocorrido no bairro do Campo Belo, em São Paulo, que conseguiu abalar todas as crenças, valores e conceitos aprendidos pelos seus pais durante anos e anos sobre a melhor maneira de se educar os filhos. Tudo porque um casal fez exatamente como eles...e deu tudo errado - fatalmente errado.

Com certeza você já percebeu que, através da imprensa, tem um monte de especialistas competentes tentando explicar as causas, tentando indiretamente dizer aos pais: "não se preocupem, isto é uma exceção, isto não vai acontecer com vocês. Isso só aconteceu com eles por causa de...." - e aí vem uma série de justificativas e explicações bem intencionadas, mas que, na verdade, estão deixando muitos pais mais confusos ainda. Sabe por que?

Porque ora um especialista afirma que a culpa é do excesso de amor e proteção para com as crianças, tornando-as exigentes, egoístas e frias. Aí vem outro e diz que é preciso ser duro com elas desde cedo, impondo-lhes limites que as levem a aprender quais são seus direitos e a respeitar os direitos alheios. Alguns profissionais vêm afirmando há tempos que é preciso elogiar muito as crianças para dar-lhes segurança e autoconfiança. Aí vem outro e diz que excesso de autoestima vira egoísmo, arrogância e frieza afetiva. Que fazer então? Qual é a fórmula? Alguns pais têm me confessado que, ultimamente, têm pensado duas vezes antes de dar um beijo no filho ou na filha, antes de fazer um elogio, ou antes de chamar-lhe a atenção, de fazer-lhe uma repreensão. E alguns - que Deus os perdoem - têm acordado angustiados no meio da noite, se aproximado do berço ou da cama do filho ou da filha dormindo e, com um imenso e angustioso aperto no peito, perguntar-se se não está criando um inimigo dentro de casa...

Grande parte dos pais está assim, com uma espécie de paranóia, uns mais outros menos. Mesmo aqueles que há poucos dias se vangloriavam de nunca terem batido nos filhos, de nunca terem precisado gritar com eles, aqueles que perderam noites cuidando da sua saúde, ou esperando você chegar tarde da balada para só então encontrar tranqüilidade para dormir - mesmo esses estão perplexos e inseguros sobre como proceder com você daqui por diante. Eles não sabem mais se devem ou não lhe dar presentes caros. Nem sabem mais se devem ou não continuar pagando seus estudos, financiar suas noitadas e festas de aniversário, confiar nos seus amigos, permitir que você passe dias fora de casa.

Uma jovem - talvez com idade, educação e estilo de vida parecidos com os seus - conseguiu abalar a autoconfiança dos seus pais. E, em alguns casos, a confiança deles em você, como se estivessem vivendo um pesadelo.

Eu escrevi essa Carta Aberta, porque eu gostaria que você soubesse dessas coisas, antes de você discutir outra vez com seus pais, por aqueles tolos e ao mesmo tempo importantes motivos que são universais: namorada(o), horários, notas da escola, qualidade dos amigos, modos de falar, de vestir, de comer....

Talvez ultimamente seus pais não tenham tido muito tempo disponível para você. A vida anda dura, os problemas de gente grande são muitos. Claro, sei que isso não justifica, mas a verdade é que alguns deles terminam esquecendo de conversar mais com os filhos.

Por outro lado, também sei que você, como todo jovem, leva uma vida muito intensa, muito diversificada e às vezes por isso mesmo muito arriscada, sob vários aspectos. E por causa desse agito todo, você também não tem tido muito tempo para refletir sobre estas coisas. Mas faça um esforço e procure praticar um pouco daquilo que nós, psicólogos, chamamos de empatia: diante dos últimos e dramáticos acontecimentos, tente sentir-se, por uns instantes, no lugar dos seus pais. E tente perceber a encruzilhada na qual eles se encontram.

Estou lhe escrevendo esta carta para pedir-lhe que faça uma coisa, nada muito complicado nem difícil. Estou pedindo a você que ajude a seus pais neste momento tão doloroso e difícil para eles. É relativamente fácil o que vou lhe pedir. É o seguinte:

Quando você chegar hoje em casa e perceber sua mãe ou seu pai calados, com o olhar perdido no vazio - mesmo que estejam olhando para a tv ou fingindo ler um jornal -, nesse momento aproxime-se deles, calmamente. Sente-se bem juntinho ou se agache até o colo deles. Pegue-lhes as mãos - você perceberá que estarão algo trêmulas ou frias. Aqueça-as com as suas. Devagar, com carinho. E, sobretudo, a todo instante, mantenha seu olhar firme no deles. Olhe-os com amor - e sorria serenamente. Ao fazer isso, esqueça desavenças, ressentimentos ou birras - novas ou antigas. Desarme-se emocionalmente. Você estará preste a restaurar a paz nos corações deles. Você estará preste a dar-lhes nova vida como um dia deram uma a você. Não se preocupe muito com as palavras que vai usar, siga apenas as dicas do seu coração. Acredito que sairá alguma coisa mais ou menos assim:
- "Pai, mãe. Antes de mais nada eu quero dizer que amo vocês muito. Muito mesmo. Sei que nossa convivência não tem sido e nem sempre será tranqüila e pacifica. Discordaremos em muitas coisas porque vivo em outra época e de outra forma, diferente da de vocês. Por isso em muitas coisas pensaremos e agiremos diferentes.

Mas o grande amor que nos une com certeza nos fará compreender, aceitar e administrar legal essas diferenças. Estejam certos de que, por causa das nossas discordâncias, em nenhum momento meu coração abrigará ódio por vocês, porque saberei claramente que sua intenção é de proteger-me, de defender-me contra aquilo que vocês acreditam não ser bom e seguro para mim. Eu lembrarei disso e terei mais amor ainda por vocês, embora no calor da discussão eu nem sempre demonstre isso. Inclusive, quero pedir-lhes que não receiem se nessas horas eu levantar um pouco a minha voz e sair batendo porta. Isso é coisa de jovem. O importante é que, por maiores que sejam nossas divergências, eu juro que nunca levantarei minha mão contra vocês. Não se deixem impressionar pelas coisas que o mundo lá fora está fazendo. Vocês sabem muito bem que vocês criaram um mundo maravilhoso para nós aqui entre estas paredes. E ninguém nem nada lá de fora conseguirá atravessá-las e trazer para o nosso mundo coisas que não têm a ver com ele. Eu amo vocês e vocês fazem parte da minha vida, que eu amo tanto - por isso tirar a vida de vocês seria autodestruir-me. Neste momento difícil para todos nós, ponham em prática tudo o que vocês me ensinaram: confiem na pessoa que vocês tornaram autônoma, capaz de tomar conta de si mesmo, ainda que às vezes quebrando a cara por inexperiência. Saberei aprender com meus erros e virei pedir ajuda a vocês quando precisar. E, por favor, durmam em paz. Figurativa e literalmente falando. Eu, Deus e os Anjos estaremos velando por vocês, assim como sei que durante toda a minha vida vocês e Eles cuidaram de mim - ainda que eu necessariamente não acredite nas mesmas coisas que vocês".

Era isso o que eu queria dizer e pedir aos jovens do meu País. Talvez muitos me achem careta - mas talvez muitos me levem a sério. Algo me diz - e eu acredito muito nas mensagens que vêm do meu coração - algo me diz que se vocês fizerem o que estou pedindo, vocês farão aos seus pais muito mais bem, dar-lhe-ão muito mais tranqüilidade e paz do que todas as palavras de todos os especialistas do mundo que, tão bem intencionados quanto eu, têm se manifestado na imprensa.

Neste caso especifico, jovem, está nas suas mãos impedir que se instale no coração e na mente de seus dos seus pais o caos na missão de educar filhos. Está nas suas mãos impedir que se perca toda a energia amorosa que fez e ainda faz seus pais permanecerem por longos minutos ao pé da sua cama - mesmo depois que você já dormiu e já está no mundo dos sonhos.

Por falar em sonhos - e para concluir esta Carta - vou lhe contar um segredinho sobre sonhos: direta ou indiretamente, os sonhos dos seus pais, estejam dormindo ou acordados, têm um personagem permanente, que está presente em todos eles, desde que você nasceu, e que aparece sempre alegre e feliz: você.

Receba muitos beijos no coração,
Floriano Serra

(Floriano Serra é psicólogo, palestrante e consultor, presidente do Instituto Paulista de Análise Transacional (www.ipat.com.br) , florianoserra@terra.com.br)

* Assassinato violento do engenheiro Manfred von Richthofen e sua mulher, a psiquiatra Marísia, ocorrido em São Paulo em novembro de 2002, planejado pela filha, Suzane, de 19 anos, com o auxílio do namorado Daniel Cravinhos e do irmão deste.
O caso, ainda em julgamento, chocou a opinião pública pois a família não tinha problemas financeiros, a filha estudou em um dos melhores colégios da cidade, falava 3 idiomas, era estudante de direito numa boa faculdade, e seus pais, pelo que se sabe, eram preocupados com o futuro dos filhos e procuravam estar presentes no dia-a-dia deles (há um filho mais novo, Andreas). O motivo alegado foi a proibição do namoro com Daniel, rapaz problemático. Os dois eram viciados em maconha.





 

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