Portal da Família
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Amar em Demasia |
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por Sílvio Reda * "A satisfação está no esforço e não apenas na realização final". Mahatma Gandhi Quer queiramos ou não, vivemos em uma sociedade capitalista. Ocorre que um dos meios usados pelo capitalismo para manter-se como regime social e econômico dá-se através da criação da insatisfação. Essa é um apelo cotidiano inserido na convicção diária das pessoas. São convencidas corriqueiramente de que não possuem o que deveriam possuir. Que devem, urgentemente, buscar a sua satisfação por intermédio da aquisição de "coisas" e "bens". Fica, assim, concebido o apelo pelo consumo. Hoje em dia as coisas saem de moda, tornam-se obsoletas com tremenda e assustadora rapidez. O sistema incute isso no estado de ânimo das pessoas. Diz-lhes que sempre existirão coisas a serem compradas, que precisam ser adquiridas, independentemente do que já se tenha de suficiente, bem como ratifica que sempre haverá um preço que supera a nossa renda pessoal e que devemos correr categoricamente atrás dessa diferença, pois só assim não nos sentiremos inferiores aos demais. À mercê dessa situação nos tornamos cativos. Passamos uma vida inteira adquirindo "bens" para nos satisfazer, sem que com o que já adquirimos e com a própria vida que temos nos sintamos bem e realizados. Fazemos de tudo para termos um pouco mais do que o nada e nada para termos algo próximo do tudo. Sábio é aquele que aproveita e usufrui do que tem sem ficar inquieto, sonhando com o que não tem. Sem que o percebamos, esse pensamento domina várias áreas da nossa vida. Começamos a ver e a encarar pessoas e sentimentos, por exemplo, como "coisas" e "bens" que rápido desejamos e, mais ligeiro ainda, logo desprezamos como obsoletos e ultrapassados. Como já disse Nietzsche: "acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do objeto desejado." Deixamos de interagir e acreditar nas pessoas para nelas simples e vagamente apostar. Transformamos tudo numa sorte a ser lançada e se perdida a aposta, fingimos pouco incomodados ou afetados por isso. Afinal nunca quisemos nada além de um momento passageiro e tudo o mais que poderia se prolongar numa afinidade humana qualquer, torna-se uma ameaça, pois não aprendemos e sabemos, ainda, a lidar com o afeto, a porção mais sensível de nós. Em assim agindo assassinamos a parte imortal que somos: a parcela que ama sem querer do amor nada que não seja a repercussão dele em nós mesmos. Por isso, hoje, a carência e o sentimento de vazio e falta de propósitos, surgem já nos primeiros anos de vida adulta. Estamos nos educando, ou melhor, nos mal educando, a passar correndo pelo outro sem nos determos e permanecermos nele como mais um amigo, um irmão de jornada, um amor dos grandes e permanente. Dessa forma, estamos nos envolvendo apenas com os corpos, sem levar nossa alma junto, conosco para quaisquer das nossas relações. Entendemos a delicadeza como fraqueza; a rigidez, como fortaleza. Mas basta alguns poucos anos de uma vida sem afeto, partilha, solidariedade e amor em todos os níveis para ver a turma dos "fortes" engrossando a fila dos consumidores de antidepressivos. De alguma forma o homem esqueceu-se de debruçar-se à janela dos próprios olhos para ver com mais clareza a si e ao próximo. Do espelho da alma para fitar-se de ângulos desconhecidos e através deles torna-se mais conhecido de si mesmo. Do calor preciso e potente dos corações a aquecer e potencializar tudo o que o cerca. Da mão que se une a outra para reunir esforços de superação. O homem esqueceu-se da figura humana que é para dar prioridade à figura desumana que aprecia aparentar ser e quando assim o fez não lembrou de nada mais que seja interessante e capaz de lhe dar algum significado em meio às insignificâncias temporárias pelas quais luta. Precisa agora relembrar de quem é para colher dessa lembrança o resultado de seu próprio progresso e amadurecimento. O que há de mais profundo em nós encontramos já na superfície mais visível e notória de nosso semelhante e o amor é o único que nos desperta a essa realidade. Amemo-nos, então, em demasia.
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