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Os Melhores Votos de Todos os Desejos

por Sílvio Reda *


Imagine toda a humanidade dentro de um navio. Imaginou? Imagine mais agora. Imagine que esse navio é a representação de toda história, de todo ciclo da vida. Passemos, então, a conceber como está sendo essa viagem, essa travessia.

Nesse transatlântico de todos os tempos estão quase que todos meio que desacomodados. A passagem parece cara e o serviço de bordo não parece assim tão à contento. Cada qual se acomoda como pode, porém todos temem praticamente uma só coisa: o seu "inevitável" naufrágio. Esse é o principal assunto, desde a casa de máquinas até a suíte do capitão. Os mais convencidos do "desastre" já saltaram no alto mar revolto à procura de qualquer outra sorte. Dizem que foram em busca de uma ilha, onde paz e sossego reinam. Contudo, por não saberem para que lado fica a tal ilha nem se realmente ela existe, continuam nadando ao lado do navio, acompanhando-o e instigando aos demais para que tenham a mesma "coragem" de saltar. Há aqueles que por jurarem de pés juntos que o navio vai afundar, fazem de tudo para que isso realmente aconteça. Vivem lá, no casco, às escondidas, outras vezes nem tanto, fazendo buracos para a água entrar. E, por incrível que pareça, se regozijam com isso. Outros tantos vivem na sala de jogos, de recreação. Preferem viver assim, absortos, fingindo que estão bem num bem-estar que jamais sentiram. Não se envolvem, pois sequer ainda se envolveram consigo mesmos. Há também os que vivem correndo para lá e para cá, perdidos, mas com a mania e a pose de dizer para os demais onde é, atualmente, o melhor e mais seguro lugar para se estar, se na popa, na proa ou no convés. Por fim há alguns poucos que não acreditam no naufrágio e vivem através do próprio esforço. Lutam para tapar os buracos abertos no casco, para trazer de volta a bordo aqueles que se atiraram ao mar e, finalmente, para mostrar que não é correndo que se chega a algum lugar, mas que lugar é espaço amplo que se alcança devagar, sentindo e pressentindo o caminho.

É, vivemos hodiernamente uma das fases de maior e mais intensa manipulação. Quando ainda homens primitivos, éramos manipulados pela natureza e seus humores. Se haveria uma grande chuva e essa alagaria nossa caverna; se havia uma fera por perto e essa nos devoraria. Éramos sensíveis e impotentes a essa natureza. Com o tempo passamos a nos organizar e ficamos sensíveis à própria estrutura da organização que formávamos. Quem caçaria, quem comeria a melhor parte da caça, etc. Fomos mais longe e criamos cidades, estados, instituições. Todavia, se um dia nos agregamos, hoje nos desagregamos. Estamos desprotegidos em nossa própria casa mundial. O poder que julgávamos infalível da ciência e da tecnologia não basta para nos proteger e saciar toda nossa sede e apetite que temos pelas coisas mais simples da vida. Tornamos, incongruentemente, prescindível a nossa imprescindibilidade de ser. Vertemos para o outro a nossa responsabilidade de sermos responsáveis por nós mesmos. Retiramos, como um abscesso, o trabalho de nossas mãos, como se nossas mãos nos dessem muito trabalho por serem naturalmente operosas. Sequer averiguamos a tarefa de saber do que precisamos. Necessitamos que alguém, como a mídia, por exemplo, nos diga do que estamos mais necessitados. Transferimos a qualquer um o encargo de saber sobre qual cargo existencial vim ocupar nessa vida e quais nossas principais atribuições. Dividimos o todo que somos em eu e tu e esse tu o subdividimos em um qualquer.

Mas no meio disso tudo, vamos nos desejar algumas coisas, nossos melhores votos para nós mesmos. Vamos desejar que tenhamos boa vontade, mesmo que essa vontade não seja lá muito boa. Vamos desejar que não tenhamos uma postura para várias ocasiões, porém várias posturas para as mais diversas ocasiões. Desejar que estejamos em todos os lugares para que todos os lugares estejam conosco. Querer que a alma que somos seja suspendida pelo guindaste do espírito que mais de nos é. Vamos desejar andar, correr, ultrapassar, mas também vamos desejar que, entre as quedas que existirão, haja para cada tropeço sempre um resgate preciso e pedagógico. Desejar que escutemos para aprender e não antes aprender que para melhor compreender precisamos escutar. Desejar que sintamos que nós não estamos na Terra, mas que a Terra e tudo o mais está em nós. Que o rio que passa, pela correnteza mesma, volta, mas que quando volta, retorna diferente. Desejar que falemos sobre o que fazemos e que façamos sobre o que já vamos falar. Desejar que possamos ter sonhos e que os sonhos possam nos ter e receber. Desejar que no meu quintal caibam todos os demais jardins que só nos fazem bem e nenhum mal. Desejar que possamos todos ler e escrever e que escrevendo alguém possa me ler e que me lendo alguém possa sobre mim discorrer. Desejar que acima de tudo possamos sempre nos amar e que em nos amando possamos estar do tudo acima sempre nos elevando.


A Fernanda Melchior Griggio, acima de tudo o meu Amor, o meu Amor acima de tudo.



* Sílvio Reda é advogado em Porto Alegre, especializado em direito do consumidor.
email: beckreda@yahoo.com.br