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Um desastre, artigo de Carlos Dias sobre aborto do feto com anencefalia

Carlos Dias


O conceito correto é o de que o ventre materno é verdadeiramente um santuário para todos os fins e efeitos.

Carlos Dias é presidente do Instituto Vida e Família:

A decisão do ministro Marco Aurélio de Mello de autorizar o aborto no caso de anencefalia merece uma análise cuidadosa, por atingir gravemente os direitos humanos do nascituro, envolvendo aspectos jurídicos, morais e sociais. O Código Penal contempla apenas duas hipóteses em que não se pune o crime de aborto, mas pela recente decisão acrescentou-se mais uma: a hipótese de o feto não possuir cérebro. Criou-se uma hipótese que a lei originalmente não previa, legislando-se sobre a matéria, o que é vedado ao Poder Judiciário.

Caberia exclusivamente ao Congresso deliberar sobre uma eventual descriminação do aborto, se tal medida fosse constitucionalmente aceitável (o que não é, pois atenta contra o direito à vida), não cabendo, portanto, ao excelso pretório, por meios oblíquos, substituir o legislador e legalizar o aborto, ainda que somente no caso da rara ocorrência de anencefalia.

As conseqüências sociais da decisão que admite o aborto são igualmente desastrosas, favorecendo a impunidade dos médicos criminosos que o praticam, cujo principal argumento de defesa, doravante, será a alegação da suposta anencefalia do nascituro, cuja ocorrência, embora clinicamente rara, passará a ser tão corriqueira quanto as cesarianas.

A decisão, também, nos faz refletir sobre a relação entre a liberdade e a consciência moral. Todo ato moralmente válido está circunscrito à liberdade do homem em realizar o verdadeiro bem. E o bem é o valor primário a ser assumido pela liberdade como guia das decisões humanas.

O nascituro é sujeito de direitos, reconhecidos inclusive na recomendação 1.046 do Conselho Europeu, de 24 de setembro de 1986.

O que ora se discute não é o inegável drama gerado pela anencefalia, mas o grave precedente de a mais alta corte do país, a quem caberia guardar os princípios constitucionais, autorizar a execução de fetos sem cérebro, como se o direito à vida pudesse ser cassado por uma ordem judicial, fato inédito que amanhã pode ensejar a aplicação de igual violência a outras formas de enfermidade, sem que as vítimas tenham chance de defesa.

O conceito correto é o de que o ventre materno é verdadeiramente um santuário para todos os fins e efeitos.

Nada seria mais monstruoso do que se permitir a invasão deste ambiente de maturação da vida, para que a própria vida seja atacada no nascedouro, sendo fatiada, aspirada e colocada no lixo, literalmente.

Fonte: Jornal O Globo, de 08/07/2004

 

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