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Prevenir o Futuro

Clara Janés - Luz María de la Fuente

Enquanto a criança se abre para a vida que a rodeia, e o adolescente mergulha nela apaixonadamente, o adulto, imerso no mundo, procura achar nele a sua identidade, o seu lugar. E se, com o decorrer do tempo, não soube preservar sabiamente o âmbito da sua interioridade e esqueceu todas as fronteiras, a vida do mundo devolver-lhe-á como um espelho a imagem dos seus próprios limites. E essa imagem será com freqüência uma imagem cruel que surge repentinamente. Isto acontece tanto ao homem como à mulher.

Dizia-me uma senhora de setenta e quatro anos: "Tive quarenta até os setenta, e de repente me vejo velha". Com efeito, a sua vida tinha seguido uma linha horizontal até que, subitamente, a morte sucessiva de vários amigos da juventude lhe trouxe a sombra da sua própria morte. As suas noites começaram a povoar-se de fantasmas, os dias de pequenos incômodos e achaques, os achaques de sempre, que agora se ampliavam até ocuparem o centro dos seus pensamentos.

Outra mulher falava-me da sua mãe: "Aos noventa e seis anos, ocupava-se das suas coisas, do seu dinheiro, viajava de avião com a maior das tranqüilidades, era capaz de ver três vídeos num fim de semana... Um dia, quebrou uma perna, teve de permanecer imobilizada indefinidamente, começou a dizer que queria morrer e morreu".

Eis a palavra-chave: atividade.

O homem, cuja atividade é mais definida que a da mulher - o trabalho -, costuma ver muito mais cedo o rosto da sua velhice nesse espelho cruel que antes ou depois o mundo lhe oferece*, precisamente através da sua atividade profissional.

As novas gerações empurram as anteriores, trazendo novas técnicas e conhecimentos mais precisos, e a simples mudança de posto ou a adoção de uma técnica nova por parte da empresa faz o homem já entrado em anos comparar-se com os outros e sentir-se velho.

Conversando um dia com uma especialista acerca do problema, dizia-me ela:
- Não é que o homem de certa idade não tenha capacidade para aprender coisas novas; o que acontece é que se recusa a pôr de parte os conhecimentos que acumulou e de que se valeu durante toda a vida; sente que seria como jogá-los num saco furado e adota geralmente uma atitude fechada.

Em 1969, 9% da população da Espanha passava dos sessenta e cinco anos, mas, desses 9% - cifra que aumentou consideravelmente e se prevê que nos fins do século será de 40% no mundo em geral -, 62% eram mulheres.

Qual é a explicação?, podemos perguntar-nos. Não se costuma qualificar as mulheres de sexo frágil? A resposta foi apontada anteriormente. Por um lado, a essência interna da mulher faz com que todo o seu ser se oriente, quer queira, quer não, para atividades fundamentalmente vitais, além de que essa mesma condição lhe dá uma intuição particular dos valores imperecíveis; por outro lado, o homem, que costuma concentrar todo o seu esforço no trabalho, acusa antes um sentimento de inutilidade que o leva, em muitos casos, a "demitir-se" da vida.

- É sabido que os velhos que se sentem frustrados e supérfluos morrem antes - dizia-me um psiquiatra -. O velho, tanto como o adulto, precisa sentir-se útil e reconhecido pela sociedade.

Mas havemos de limitar a utilidade do ser humano ao que possa oferecer-nos materialmente? Em meu entender, uma presença humana, mesmo na pior das situações físicas - paralisia, cegueira -, pode oferecer aos outros a maior das riquezas: o testemunho do verdadeiro sentido da vida.

Que é preciso para isso? Simplesmente que cada um ocupe em cada momento da vida, com todas as suas conseqüências, o lugar que lhe cabe: algo difícil de alcançar, mas que não pode ser adiado. Mais ainda, é necessária uma contínua previsão do futuro. Por isso, devemos desde hoje olhar-nos no espelho do amanhã e aprender a envelhecer.


(*) "Uma tarde, dobrando uma esquina da rua Uruguaiana" - conta-nos Gustavo Corção -, "vi pelo reflexo duma vitrina um senhor magro, vestido de cinzento, com fisionomia gasta e ombros encurvados. Como ia desprevenido, quase lhe tirei o chapéu, respeitosamente, como em menino fazia vendo passar um professor de latim. Mas logo percebi, assustado, que era eu mesmo que levava, debaixo do terno cinzento e sob os ombros encurvados, o ridículo de ter quarenta anos" (A descoberta do outro, 2' ed., Agir, Rio de Janeiro, 1945, pág. 46).

Retirado do livro "Aprender a Envelhecer", de Clara Janés e Luz María de la Fuente, Editora Quadrante, São Paulo, 1994

 





 

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