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João Malheiro, educador
Coluna "Pinceladas Educacionais"

O risco da educação relativista

João Malheiro

Alasdair MacIntyre, filósofo escocês bastante estudado atualmente na academia, no seu famoso livro Depois da virtude nos mostra as raízes histórico-filosóficas da fragmentação ética que contemplamos atualmente no cenário mundial.

Segundo o autor, se nos dispomos a examinar a fundo o que está acontecendo, perceberemos um reflexo de uma série de filosofias de pensamento e de vida, oriundas do iluminismo europeu e que chegaram até aos nossos dias. Elas afirmam que não é possível acudir a razões objetivas para justificar os princípios éticos que cada qual deve utilizar nas suas escolhas. Existe como que um acordo implícito de que os princípios são uma questão de preferências pessoais. Pretender outra coisa equivaleria a incorrer num crime de lesa-humanidade, que é impor uma ética ao vizinho.

Quem profere um juízo ético deve usar uma linguagem pretendidamente impessoal e deve ocultar suas pessoais motivações. “Tal coisa é eticamente má” significaria, na prática, “não quero que faças tal coisa, porque não me agrada”. Portanto, esta corrente, chamada emotivista, postula que não existem critérios universais que sirvam para dirimir entre posturas éticas rivais. Todas elas seriam igualmente dignas e admissíveis.

Se nos aprofundarmos nas consequências práticas desta corrente ética, perceberemos que tem se comprovado ser uma postura muito perigosa, porque são muitas vezes difíceis arbitrar posturas diferentes, encontrar os limites de quem está com a razão e no final acaba-se alimentando, parafraseando o autor, uma “guerra civil sem armas”, na qual ganhará o que for mais forte e tiver mais poder. Uma teoria ética que provoca a injustiça social não parece, portanto, ser a mais adequada. É preciso buscar algo mais isento e transcendente, que dê luz a duas vontades opostas ou diferentes para viverem em paz.

Se questionarmos mais a fundo o porquê de a sociedade atual pensar assim da ética verificaremos que ela acredita que a tentativa, passada ou presente, de prover de justificação racional a moral objetiva fracassou de fato. Mas, será que as pessoas já se questionaram por que fracassou?

Uma primeira resposta que daria para justificar o fracaso da moral objetiva foi a perda – ou a destruição propositada por alguns pensadores – dos conceitos metafísicos de natureza humana e de seu telos (fim). O alcance do Bem, da Perfeição, do Amor real, da Felicidade foram descartados como o sentido da vida humana. Por que ocorreu essa essa perda ou destruição? É possível deduzir razões muito mais morais e/ou religiosas de seus responsáveis do que propriamente razões filosóficas. A explicação é simples: o esforço arduoso para alcançar esse Bem sempre rebelou o orgulho humano. O sofrimento sempre trouxe sua dose de mistério, de perplexidade e de medo. Portanto, segundo esses pensadores, se essa era a nossa condição para sermos felizes, era melhor autonegar a própria natureza humana e arriscar uma outra natureza, que eu chamaria não humana e, portanto, mais animal. Destruindo-se a natureza, destruiu-se a Verdade Objetiva.

Uma segunda explicação que explique esse fracasso da ética objetiva nasce e é consequência da primeira. Quando o esforço ético da vivência objetiva das virtudes morais foi desvinculado do seu telos humano – da forma de se alcançar a felicidade no amor –, a ciência das virtudes morais foi desfigurada como mera exigência sem sentido. Culparam-na da origem de traumas, repressões e ausência de liberdade. E estavam certos! Tantos os gritos nietzschianos ouvidos no passado exigindo liberdade, quanto os esterismos freudianos ouvidos até hoje na educação reivindincando prazer, tinham a sua razão de ser. A ética kantiana do “dever pelo dever”, sem a meta de alcançar a liberdade do Amor, ficou odiosa, inumana e doentia.

Fica mais fácil concluir, portanto, que o fracasso da ética objetiva foi real, mas por culpa do próprio homem em não querer aceitar a sua própria natureza. Mas perguntemo-nos: foi melhor essa escolha para o Homem? As desordens sociais do século XX e do atual parecem nos sugerir que não. A somatória crescente de pessoas depressivas, solitárias, violentas, injustas, sem motivação para viver e existir parece provar que alguma coisa de errado aconteceu no passado. A sociedade não ficou mais feliz negando a própria natureza humana. A evidência de que todo o ser humano fica ansioso e inseguro até encontrar-se como ser humano livre e responsável da sua felicidade, parece evidencar que, por mais que o homem possa autonegar a própria natureza, só se sentirá feliz e em paz quando entender que, apesar do esforço, vale muito mais a pena autoafirmá-la do que viver como um triste animal.

É tarefa urgente dos pais e educadores desmascarar o brilho falso da ética relativista em que nossos jovens estão sendo formados. É preciso que comprendam que uma educação relativista gerará a destruição dos jovens, porque não se desenvolverão como seres humanos, mas como simples animaizinhos, sem sentido na vida.

 


Professor e aluno

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João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Colégio Porto Real, Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É autor de vários livros como "A Alma da Escola do Século XXI", "Fortalecer a Alma da Escola" e "Escola com Corpo e Alma", da Editora CRV Ltda. É palestrante sobre vários temas de educação em colégios e universidades. Especialista sobre Valores e virtudes ética na escola. No final de 2017, lançou o seu quarto livro - A PRECEPTORIA NA ESCOLA. UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DE SUCESSO, finalizando sua "tetralogia".

E mail: joao.malheiro@colegioportoreal.org.br

Publicado no Portal da Família em 26/10/2010

 

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