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João Malheiro, educador
Coluna "Pinceladas Educacionais"

O DIREITO INTRANSFERÍVEL DOS PAIS NA EDUCAÇÃO

João Malheiro

Têm vindo à baila recentemente no noticiário algumas pretensões governamentais de legislar sobre como os pais devem educar os seus filhos, dispondo sobre os limites dos castigos, das palmadas e dos beliscões por parte dos progenitores. Nessa mesma direção, autoridades judiciárias do Rio Grande do Sul chegaram inclusive a afirmar que “os filhos não são propriedades dos pais. Eles são cidadãos e por isso pertencem ao Estado, dessa forma é perfeitamente cabível a interferência dele na educação da criança”.

Diante dessas aberrações, é natural que todos nós educadores fiquemos alertas e apreensivos, pois de ideias deste tipo a nossa triste história está cheia.  Já se comprovou que é por aí que estados totalitários começaram a invadir direitos humanos, desrespeitando a dignidade humana. Felizmente, a maioria dos pais reagiu prontamente, como se devia esperar. Na pesquisa recente do Instituto DataFolha, de São Paulo, 54% dos 10.905 entrevistados afirmaram ser totalmente contra o projeto de lei e 10% não sabiam o que responder. 36% dos pais, entretanto, foram favoráveis. 

Diante destes fatos, talvez seja bom recordar alguns conceitos básicos de educação para esclarecer o pensamento tanto dos indecisos e favoráveis às intenções governamentais quanto do público em geral.

A primeira ideia básica, indicada na Declaração Universal de Direitos Humanos no seu artigo 26, é que os pais têm o direito de escolher a educação que preferirem para os seus filhos, em todos os seus aspectos.  Os países que assinaram este acordo em 1948 chegaram a definir que este princípio seria considerado entre os mais básicos, e que sob pretexto algum um Estado poderia interferir nele ou negá-lo (Pacto de Direito Civis e Políticos de 1966, artigo 4º).

Este direito dos pais de educar seus filhos fundamenta-se no direito que os filhos têm de receber uma educação adequada à sua dignidade humana e às suas necessidades básicas. Um atentado contra este direito do filho, que em justiça deve ser reconhecido e amparado pela sociedade, é uma violência que jamais poderá ser permitida. Inclusive, no caso daqueles pais que se sintam incapazes de educar ou que acreditem que outras instituições possam fazê-lo melhor, o Estado terá que conscientizá-los de que não podem renunciar a serem educadores.

Sempre é bom recordar que a família é o lugar natural por excelência em que as relações de amor, de serviço e de doação mútua se descobrem, valorizam e aprendem. É nesse ambiente que o “ser animal”, que todos nós somos quando nascemos, tem facilidade para se tornar um verdadeiro ser humano, com todas as suas potencialidades bem desenvolvidas. Pais, irmãos, primos, tios, avós devem ser, portanto, a primeira grande escola da vida. Quem teve a sorte de ter nascido numa família numerosa talvez tenha mais experiências que ilustrem plenamente esta afirmação.

Se a educação é a atividade primordial de um pai e de uma mãe, qualquer outro agente educativo somente o será por delegação dos pais, e sempre subordinado a eles. Quando colocam seus filhos numa escola, os pais não devem se sentir livres da tarefa árdua de educar ou, o que é pior, como se estivessem transferindo essa responsabilidade para outras pessoas, supostamente mais preparadas. É preciso recordar-lhes que a verdadeira competência para educar bem os próprios filhos nasce pelo simples fato de serem eles os pais.

É lógico, tendo em vista a necessidade de não poderem dominar as várias linguagens técnicas, que recorram às escolas para que ensinem os filhos as competências técnicas, culturais, esportivas necessárias para a capacitação profissional. Mas acreditar que educar seja somente orientar para o futuro trabalho parece traduzir uma visão muito pobre do ser humano e da educação. Portanto, como já dizia o papa João Paulo II, em sua Carta às Famílias, “qualquer outro colaborador no processo educativo deve atuar em nome dos pais, com seu consentimento e, em certo modo, inclusive, por encargo seu”.

Parece ficar claro, portanto, que, para evitar intromissões do Estado, como a apontada no início, é preciso mudar radicalmente a visão que muitos pais têm da escola. Ela deve ser vista, de acordo com um educador espanhol, David Isaacs, como “um projeto comum de melhora integral de pais, professores, funcionários e alunos”. Um local no qual os pais pedem a colaboração de professores e funcionários para ajudá-los a continuar nessa tarefa que já fazem em casa de auxiliar os filhos a serem melhores. A escola deverá ser sempre um prolongamento do lar. Um instrumento para a tarefa dos próprios pais, enquanto pais, de educar – e não só um lugar que proporcione uma série de conhecimentos. Por isso, deverá haver sempre uma grande integração entre os pais e professores. Ambos devem estar motivados para alcançar uma série de objetivos educativos e formativos para os seus filhos/alunos. Ambos devem falar a mesma linguagem ética, o que conseguirão se antes a viverem em suas vidas pessoais.

Os pais verão como prioritário, dentro de seus deveres quotidianos, participar das atividades escolares, pois sempre serão momentos de refletir sobre que aspectos poderão cuidar melhor, tanto na sua vida pessoal, quanto na forma de educar os seus filhos. Agindo desta forma, também estarão demonstrando para os filhos que tanto o pai quanto a mãe consideram a escola um elemento relevante na vida familiar.

Naturalmente, muitos leitores diante destas ideias terão sentimentos de culpa e pensarão: “preciso me dedicar mais à escola do meu filho..., mas como conseguir ter tempo para isto se na empresa...”. É evidente que, na vida que corre, isto parece quase impossível. Porém, ter tempo para as obrigações é sempre uma questão do que valorizamos e priorizamos.

De todas as formas, penso que ficou claro neste artigo que o pátrio poder é um direito intransferível que incumbe prioritamente à família como direito natural e humano. Jamais qualquer pai ou educador digno deste nome poderá ficar impassível diante de possíveis ameaças presentes ou futuras a este direito.


pais e filhos

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João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Colégio Porto Real, Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É autor de vários livros como "A Alma da Escola do Século XXI", "Fortalecer a Alma da Escola" e "Escola com Corpo e Alma", da Editora CRV Ltda. É palestrante sobre vários temas de educação em colégios e universidades. Especialista sobre Valores e virtudes ética na escola. No final de 2017, lançou o seu quarto livro - A PRECEPTORIA NA ESCOLA. UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DE SUCESSO, finalizando sua "tetralogia".

E mail: joao.malheiro@colegioportoreal.org.br

Publicado no Portal da Família em 10/09/2011

 

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