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João Malheiro, educador
Coluna "Pinceladas Educacionais"

Educar no verdadeiro Carpe diem!

João Malheiro

A clássica expressão do filósofo Horácio Carpe diem!, que significa “aproveita o momento”, é uma máxima muito conhecida cujo sentido original nem sempre conseguiu ser captado pela literatura, cinema e poesia, entre outros. A intenção do filósofo romano era convidar o discípulo a apostar no presente, a descobrir o valor de cada minuto vivido com plenitude, sem, naturalmente, descurar os limites éticos. Queria dar a noção de que o tempo possui um sentido muito mais profundo do que um mero gozo momentâneo e que, por isso, era necessário aprender a aproveitá-lo de forma inteligente. Infelizmente, ao longo dos séculos, o ser humano cedeu à tendência ao mais fácil, interpretando o pensamento do epicurista do século I a.C. como uma fórmula mágica que permitia agir de forma irresponsável ou irracional, adotando com frequência escolhas erradas sem se preocupar com as consequências. Passou-se a viver como se as eleições que se fazem no presente não determinassem em grande parte o futuro.

Esta mentalidade continua existindo nos dias de hoje. Afirma-se, com Rousseau, que a natureza humana é boa por si só e por isso deve-se fomentar toda e qualquer espontaneidade. Incentiva-se a destruição de todos os “tabus” do passado e defende-se uma liberdade absoluta, sem as limitações da “camisa de força” das virtudes éticas, que nos impediriam de “curtir” a vida. A virtude e o prazer foram colocados como forças opostas e incompatíveis. Como se tudo o que desse prazer fosse pecado. E como se tudo o que fosse virtuoso fosse triste. Ora, tais conclusões são totalmente falsas!

É preciso educar desde cedo os jovens a descobrir novas dimensões do prazer, muito mais duradouras e profundas que as materiais, como o prazer de aprender, de entender novas linguagens, de comunicar-se, de descobrir e desenvolver novas teorias ou tecnologias, de reter o conhecimento — dimensões que são vivências do prazer intelectual. Depois, deve-se fazê-los refletir a partir dessas experiências, comparando-as com as alegrias materiais. Perceberão facilmente que o prazer intelectual é muito mais próprio de um ser de natureza racional. É conveniente ainda fazer com que saboreiem o prazer da transcendência, como o serviço ao mais necessitado, a ajuda no âmbito familiar, um conselho acertado a um amigo desorientado, a realização de um trabalho voluntário numa determinada comunidade, isto é, experiências de doação, de entrega e de esquecimento próprio. Em seguida, é necessário ajudá-los a comprovar como o prazer espiritual é infinitamente superior ao material e até mesmo ao intelectual.

Nos dias que correm, educar com enfoque no incentivo meramente material – brinquedos, roupas, diversão, viagens, festas, reconhecimento social, status – sem privilegiar também os incentivos intelectuais e espirituais parece ser um método enganoso. Ensinar que a felicidade significa meramente prazer físico-afetivo, voltado a satisfazer um “déspota” que mora dentro de nós, é uma educação altamente perigosa, pois tende-se a criar uma “força centrípeta” de amor muito egocêntrico, de crescimento exponencial e altamente escravizante. Além de perigosa, é falsa, por dois motivos: primeiro, porque o prazer material tem duas características: por um lado, é momentâneo e parcial; por outro, admite repetição. Como ele é sempre insuficiente, força a pessoa, com o tempo, a querer sempre mais e mais, até alcançar o fastio. No final, nada mais a satisfaz, e se sente animalizada e sem perspectiva de vida. O segundo motivo é que, colocando a felicidade em poucos momentos do presente, destrói-se a expectativa dos bens futuros. No falso Carpe diem! há uma traição secreta contra o valor da espera. Todo bom educador sabe que há mais felicidade em esperar certos bens futuros do que em tê-los todos já! Quando não há expectativas, mas apenas o gozo dos prazeres, já não se espera nada mais do futuro: começa a expectativa da infelicidade! Os filhos de milionários, jogadores de tênis ou de futebol que ganham fortunas muito rapidamente comprovam claramente esta dinâmica, e verificam que é impossível realizar algum projeto de vida sem a capacidade de esperar.

Podemos desde já concluir que, na educação, é fundamental evidenciar que o homem só se realiza quando desenvolve uma “força centrífuga” em direção ao outro, justamente em sentido contrário à “centrípeta” egocêntrica, pois a felicidade é necessariamente compartilhada e só será encontrada quando colocarmos nossos talentos a serviço do próximo.

Para isso, é necessário o desenvolvimento das virtudes morais, que são como que os motores que potencializam o ser humano a libertar-se desse “déspota” egocêntrico que está dentro de nós. No início, o esforço exigido para aprender e viver essas virtudes pode dar uma sensação de negação e de renúncia. Porém, na prática, ao vivenciar a força que vem da própria capacidade de amar, a pessoa intui que essa é uma ética mais realizadora. É a ética da substituição: aprendo a trocar aquilo que pode me dar certa satisfação sem esforço, mas insuficiente, por aquilo que me dará uma satisfação duradoura e mais plena, apesar do sacrifício. Vivendo dessa forma, a pessoa descobre empiricamente que o sentido da vida é estar a serviço dos demais, e se dispõe a isso de forma livre e alegre durante todo o tempo: descobre o caminho da felicidade. Esse é o verdadeiro Carpe diem! de que falava o filósofo. Quando se vive nessa perspectiva, o ser humano percebe o valor do tempo. O tempo existe para que se cresça no amor. Assim o tempo passa corretamente. E é assim que a pessoa amadurece de verdade.

Em seu livro “A maturidade”, o filósofo Rafael Llano Cifuentes a define da seguinte forma: “quando a idade psicológica acompanha a idade cronológica, isto é, quando a capacidade de amar está de acordo com o tempo existencial”. Efetivamente, se nos questionarmos sobre o problema crescente da imaturidade dos jovens profissionais, parece que as ideias anteriores nos dão o diagnóstico: o tempo psicológico desses jovens está passando mais lentamente... estão enfeitiçados talvez pelo déspota interior que quer tudo menos amar! Têm entre 25 e 35 anos, mas na realidade poderiam contar entre 15 e 25 anos.

Este fenômeno foi brilhantemente mostrado no famoso filme “Feitiço do tempo” (“ Groundhog Day”). Phil Connors (Bill Murray) é um repórter que fica preso a um único dia por ser exageradamente egocêntrico. Todos os dias, quando acorda, ele revive exatamente as mesmas situações do dia anterior. Só ele está sob este feitiço. Todas as demais personagens vivem o mesmo dia, mas sem essa consciência. Inicialmente ele tira proveito desse feitiço, comendo tudo o que pode, conquistando de forma egoísta a colega de reportagem, acertando previsões do tempo, etc. Depois, entra em desespero, pois a vida é, simplesmente, sempre a mesma. A vida não passa quando se a olha de forma egoísta. Quantas pessoas vivem hoje exatamente sob o domínio deste feitiço! Os dias passam, mas, na verdade, não passam. São sempre os mesmos. As mudanças que ocorrem e se experimentam são meramente materiais. Dentro do coração se experimenta vazio, egoísmo, ausência de amor. É desesperador ver o tempo cronológico passando e a capacidade de amar se defasando cada vez mais. Voltando ao filme, depois de muitas tentativas frustradas de Phil, ele descobre que o segredo para se libertar dessa maldição é utilizar-se do conhecimento que ele tinha do futuro para ajudar os demais. Desse jeito, ele se vai transformando por dentro e, no final, consegue virar a página daquele dia que ele mais odiava.

Como dizia, muitos jovens infelizmente vivem hoje enfeitiçados com o falso Carpe Diem! fruto talvez de uma educação enganosa ou incompleta. O tempo dos anos passam, os empregos se sucedem, as experiências e riquezas se acumulam. Mas sempre chega um dia em que se olha para trás e não se vê quase nada feito para mais alguém. Parece que o tempo efetivamente não passou. Urge, portanto, trazer de volta na educação familiar e escolar a educação do verdadeiro Carpe Diem!, que nada mais é do que ensinar que estamos nesta vida para acumular, mais que coisas materiais, uma grande capacidade de amar. Para isso, um jovem precisa ser educado a, por exemplo, preferir dedicar tempo aos irmãos e amigos ao invés de ficar navegando na internet sem rumo e objetivo. Ou a valorizar mais aproveitar o tempo com leituras substanciosas ou com um estudo sério, pensando no serviço ao próximo, do que ficar perdendo tempo na televisão. Deve aprender que ser feliz nem sempre é fazer o que se gosta ou evitar o que custa: muitas vezes é exatamente o contrário. Se nós educadores conseguirmos isso, alcançaremos uma das principais metas da educação dos dias atuais: alertar o jovem a não cair no engano que será feliz somente “curtindo a vida adoidado”, como nos pressiona a cultura do momento, e, pelo contrário, fazer que descubra que quase sempre só se sentirá pleno depois de decisões generosas nas quais vivencia o Amor que todos desejam.

capa do filme Feitiço do Tempo

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João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Colégio Porto Real, Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É autor de vários livros como "A Alma da Escola do Século XXI", "Fortalecer a Alma da Escola" e "Escola com Corpo e Alma", da Editora CRV Ltda. É palestrante sobre vários temas de educação em colégios e universidades. Especialista sobre Valores e virtudes ética na escola. No final de 2017, lançou o seu quarto livro - A PRECEPTORIA NA ESCOLA. UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DE SUCESSO, finalizando sua "tetralogia".

E mail: joao.malheiro@colegioportoreal.org.br

Publicado no Portal da Família em 15/09/2014

 

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