Portal da Família
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Filhos apátridas
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André Gonçalves Fernandes |
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A troca de papéis educativos experimentada pelo pai e pela mãe nos dias de hoje deve-se muito ao novo ícone posto em circulação acerca da procriação: não ter filhos. Se os tiver, renunciar aos métodos contraceptivos, à disposição numa fartura como se estivessem dispostos em gôndolas de supermercados. E, para que o “estorvo” da maternidade não seja tão penoso, que seja um filho. E tão somente um. A ação materna, ao assumir desde a decisão exclusiva da procriação e, depois, a tarefa pedagógica do filho, já que o pai teve aquele espaço natural invadido pela postura materna, foi seguida da reação deste, mas, por combater os efeitos e não a causa, cria um círculo vicioso e coloca ambos num beco sem saída. Não se pretende aqui fazer da relação entre pai e mãe um jogo de xadrez entre feminismo e patriarcalismo, mas analisar os efeitos que surgiram a partir da troca dos papéis da maternidade e da paternidade, cujo resultado foi um desequilíbrio em prol da mãe. Esse fato pode ser facilmente constatado nos processos de matéria de família. O pai, por vários motivos, ocupa hoje um papel secundário em todos os campos de decisão e atuação conjugal: ter ou não ter filhos, educação, tarefas domésticas, convivência filial, relações sociais dos filhos. Se, na realidade atual, ambos os cônjuges trabalham, em regra, é a mãe que assume o terceiro expediente e conjuga seus horários de trabalho com aqueles campos. O pai, então, resolve buscar paliativos para minimizar os efeitos de sua ausência. Compromete-se a assumir alguns daqueles encargos, contudo minimamente, já que isso pode afetar sua jornada de trabalho. Fecha-se na realidade profissional e justifica-se nisso para não se comprometer um pouco mais. Felizmente, em muitos processos, percebe-se que muitos pais não se entregaram passivamente a este câmbio de papéis. Esforçam-se por chegar a tempo em casa, assumem um rol de tarefas considerável, atuam nas relações escolares do filho, procuram conhecer os amigos de seus filhos e, mesmo em situações de divórcio, recorrem de decisões judiciais que atribuem a guarda exclusivamente à mãe e fazem questão de um regime de visitas que não se resume na desgastada fórmula do “domingo sim, domingo não”. Essa boa rebeldia, entretanto, não está muito disseminada, porque tem um custo pessoal, familiar e profissional que muito varão não está disposto a encarar. E, quando o eco dessa rebeldia chega aos ouvidos dos outros, o pai é visto como um alienado ou como um sujeito “muito dócil às vontades da mulher”, como já ouvi da boca de muitas testemunhas nos processos. Em outras ocasiões, são os filhos, sobretudo adolescentes, que interpretam mal essas atitudes paternas, talvez por considerarem que o pai realmente não tem lugar na família de hoje. Se tiver alguma dúvida, abra uma dessas revistas de exposição gratuita da vida alheia que ficam à disposição em salões de cabelereiros ou consultórios médicos. É preocupante considerar qual será o futuro da paternidade, se as futuras gerações têm uma imagem depreciada do pai com quem convivem filialmente. Paternidade e filiação são relações que exigem a presença de seus protagonistas, porque são eles que as fundam e as configuram. Em qualquer perspectiva que se observe a ausência paterna, o filho que daí resulta é algo bem diverso daquilo que poderíamos propriamente chamar de filho. Esse filho vai crescer e, na maturidade, fico a imaginar qual será a ideia de família que vai pautar sua conduta, se é que se sentirá encorajado a formar uma família ou mesmo se tornar um pai. E, se resolver a sê-lo, em que modelo irá se inspirar para cumprir as funções da paternidade? São dúvidas que colocam em risco o futuro da paternidade. A paternidade deixou o patriarcalismo e se transformou em algo ainda não bem definido e nem em que proporção em relação à maternidade. A perspectiva pretérita de um pai seguro de si mesmo e capaz de projetar essa seguridade aos filhos foi substituída, depois da mudança de papéis, por outra: a de um pai em constante estado de insegurança radical e, sob certo ponto de vista, saudoso daqueles atributos que lhe caracterizavam no passado. Com respeito à divergência, é o que penso. Veja os artigos da série Filhos apátridas: |
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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 11/11/2012 |
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